“A primeira regra em investimentos é: não perca [dinheiro], e a segunda [...] é: não esqueça a primeira regra [...], essas são todas as regras.” – Warren Buffet[1]
Quando se fala em gerir o risco de investimentos, queremos impedir perdas financeiras relevantes, seguindo o sempre sábio ensinamento de Warren Buffet. Investir, porém, consiste em lidar com o futuro, e como ninguém pode prever o que vai acontecer com total certeza, o risco é inevitável. Como coloca muito bem o professor Elroy Dimson da London Business School:
“Risco quer dizer que mais coisas podem acontecer do que vão acontecer.”
Por essa razão, quem planeja fazer um investimento precisa considerar o que pode dar errado com sua estratégia, ou seja, conhecer os riscos do investimento para então decidir se estará disposto a aceitá-los ou se precisará mitigá-los de alguma maneira.
Muitas vezes baseamos nossas decisões na experiência passada, seja nossa, seja de outras pessoas. Portanto, um ponto de partida para compreensão da possibilidade de perdas são os resultados observados no passado. Imaginemos, então, que os retornos de um certo investimento, observados por um período longo, possam ser representados pela seguinte figura:
Esperam-se que os resultados fiquem na região marcada por A, ou seja, que oscilem usualmente próximos à média, ficando às vezes acima e às vezes abaixo dessa média. No entanto, ocasionalmente, os resultados obtidos podem estar nas regiões B ou C, o que não pode ser ignorado. Mais importante ainda, conforme vivemos no Brasil nos últimos anos, há resultados que ocorrem com frequências muito baixas (talvez uma vez no século) ou, eventualmente, que jamais ocorreram no passado (região D).
Entendemos que as medidas de risco utilizadas de forma corriqueira capturam em grande medida o que ocorre na região de normalidade (A), ou seja, as oscilações de preços próximas ao que se espera normalmente. Não há dúvida de que esse tipo de medida, chamada de volatilidade dos retornos, deve ser analisada e monitorada. No entanto, é muito importante não confundir essa métrica, que quantifica quanto o preço de um investimento pode oscilar ao longo do tempo, com o que realmente importa para o investidor: o risco de perda financeira permanente.
Consideramos, portanto, que a volatilidade não pode ser a medida primária de risco. A decisão fundamental do investidor está, em nossa opinião, diretamente relacionada às preocupações com perdas ou retornos inaceitáveis:
“Eu nunca ouvi ninguém falar ‘Eu não vou comprar esse ativo porque o seu preço pode apresentar grandes flutuações’ (...). Para mim, o pensamento ‘Eu demando mais ganho potencial pois tenho medo do dinheiro que posso perder’ parece fazer muito mais sentido do que ‘Eu demando mais ganho potencial pois tenho medo que os preços flutuem’. Risco é, antes de tudo, a possibilidade de perder dinheiro.” - Howard Marks[2]
As medidas de risco baseadas em volatilidade tendem a minimizar exatamente o impacto de eventos extremos, uma vez que eles são tão raros que não desempenham um papel importante no resultado final para o investidor[3]. Apesar de infrequentes, esses grandes desvios precisam ser tratados de forma central, porque seu impacto acumulado é extremamente relevante.
Um outro problema nas medidas de risco utilizadas no mercado é que elas dão peso excessivo ao comportamento de curto prazo dos mercados[4], introduzindo um viés pró-cíclico à decisão de investimentos. Por um lado, quando a volatilidade corrente está elevada e os preços baixos, o gestor é impedido de montar posições mais relevantes. Por outro lado, quando a volatilidade está baixa e os preços elevados, é permitido ao gestor adquirir posições maiores, encorajando a tomada de risco. Essa postura pró-cíclica é exatamente oposta ao objetivo de se comprar ativos quando estão baratos e vender quando estão caros.
Por fim, o risco dos investimentos precisa ser entendido de forma mais profunda, e não apenas em função de um único parâmetro. O cálculo e monitoramento da volatilidade – apesar do uso de modelos extremamente sofisticados – pode ter o efeito perverso de automatizar e burocratizar a gestão de risco, que deve ser um dos pilares de toda a decisão de investimentos.
Consideramos que uma gestão de riscos entendida de forma ampla e integrada ao processo de decisão é essencial para o sucesso da estratégia de investimentos no longo prazo. Grandes gestores destacam-se não só pela sua capacidade de gerar retornos consistentes no longo prazo, mas principalmente pela ausência de desastres. Novamente, nas palavras de Howard Marks[5],
“a coisa mais importante que um investidor deve fazer [...] é definir o balanceamento de seu portfolio entre ataque e defesa. Não [entre] renda fixa e ações, EUA vs. externo, large caps. vs. small caps. [Mas sim entre] ataque e defesa.”
O controle rigoroso de riscos (defesa) é, portanto, tão importante quanto a busca por retornos (ataque). Na Persevera, damos atenção primordial à gestão de riscos. Essa gestão se traduz em 5 linhas de defesa mutuamente ativas para mitigar a possibilidade de perdas extremas, mesmo nos momentos favoráveis de mercado, em que isso não parece ser uma preocupação. Em outras palavras, em períodos de exuberância, buscamos apresentar bons resultados, mas sem perder a sobriedade, a disciplina e sem comprometer a diversificação da carteira. Por outro lado, em situações de stress ou ruptura, as linhas de defesa permitirão uma preservação efetiva do capital dos nossos clientes.
Apresentamos abaixo as 5 linhas de defesa que compõem a gestão de risco de investimentos na Persevera:
1ª Linha de Defesa: Cultura e Alinhamento de Risco da Persevera
Na Persevera, todos os profissionais são sócios e investem grande parte de seus recursos próprios nos fundos da própria gestora. Isso impõe a disciplina na escolha de quais riscos são aceitáveis e no comprometimento com o respeito aos limites. O gerenciamento e controle de risco e análise de performance não são considerados atividades segregadas do processo de investimentos, mas sim parte fundamental e intrínseca.
2ª Linha de Defesa: Estrutura do Processo de Investimentos
Entendemos que a gestão de riscos precisa estar incorporada às decisões de investimento. Por isso, nosso processo de gestão busca, por construção, gerar estratégias diversificadas, com gestores com longa experiência profissional - especializados em seus mercados de atuação – e que possuem carteiras independentes e com diferentes focos como renda fixa, renda variável, local, global, macroeconômico, microeconômico e com orçamentos de risco fixos.
Esse desenho busca impedir situações que concentram o risco da carteira tais como:
“Visão da Casa”: todos os gestores assumem posições na mesma direção, alinhada com um cenário central de investimentos
Alocação discricionária do orçamento de risco: quando um gestor não está usando todo o seu orçamento, o diretor de investimentos pode realocar esse orçamento, empurrando o gestor a utilizar risco sem a devida convicção
Alocação de Risco “pró-cíclica”: quem performa melhor tem seu orçamento de risco elevado em detrimento do gestor com uma performance pior, reduzindo a diversificação e expondo o fundo a mercados ou estratégias que estejam sendo beneficiadas pelo “comportamento de manada”, como ilustrado no clássico cartoon de Kevin Kallaugher, que abre esta carta.
3ª Linha de Defesa: Gerenciamento de Risco
O gerenciamento do risco consiste nas atividades de identificação, mensuração, monitoramento e comunicação dos riscos, bem como na análise da adequação entre os riscos assumidos e as características e objetivos dos investimentos.
Fatores cognitivos e emocionais[6] associam risco à aversão à perda - e entendemos que essas perdas devem ser tratadas e mitigadas em situações de ruptura e não em situações de normalidade. Por isso, a métrica central do nosso processo de gestão de risco é o teste de stress, e definimos um limite de perda sob stress para o fundo e para cada gestor.
4ª Linha de Defesa: Limites de Perda
A imposição de limites de perda procura limitar o tamanho e a probabilidade de retornos negativos. Perdas não são necessariamente indicação de falhas no gerenciamento de risco. Uma gestão de risco eficiente deve reconhecer que grandes perdas são possíveis e deve desenvolver planos de contingência que lidem com tais perdas se as mesmas ocorrerem.
Em função das características dos fundos multimercados, entendemos que qualquer análise Risco/Retorno deva ser feita considerando-se um período de pelo menos 3 meses. Na Persevera, acompanhamos os retornos de cada gestor e do fundo em todas as janelas de 63 dias úteis que contêm a data corrente. O pior retorno projetado em todas essas janelas corresponderá à perda corrente incorrida por cada gestor, e, conforme essas perdas se elevam os limites de risco são reduzidos de forma a impedir a ampliação das perdas até níveis inaceitáveis. Em outras palavras, o orçamento de risco de cada gestor estará diretamente relacionado à sua pior performance em janelas de 63 dias. À medida que um gestor incorre em perdas, seu espaço para assumir novas posições ou manter as já existentes é gradativamente reduzido, podendo potencialmente ser zerado até que a janela crítica saia do horizonte.
5ª Linha de Defesa: Limites de Exposição a fatores de Risco
Apesar de toda a diversificação e controles já descritos, entendemos que, em algumas situações, as posições dos diferentes gestores poderiam resultar em exposições concentradas em certos ativos, mesmo tendo sido geradas de forma independente. Por conta disso, a última linha de defesa corresponde a uma ideia que consideramos simples, mas eficaz: limites gerenciais de exposição a fatores de risco para o fundo como um todo. Entendemos que nenhum grau de convicção justifica posições excessivamente concentradas em um único mercado ou ativo.
Para concluir, sabemos que o risco não é observável. O que é observável é a perda, que se materializa quando a exposição da carteira colide com eventos negativos. Por isso, o controle de risco é invisível nos bons momentos, mas ainda assim essencial para que eles não se transformem, subitamente, em momentos ruins.
O Gerenciamento de Risco é uma tarefa importante e valiosa. Os frutos, no entanto, vêm apenas na forma de perdas que não acontecem. Assim, como Graham[6] nos lembra ao longo de toda a sua obra, o Investidor Inteligente deve focar não apenas em fazer uma análise correta. Ele também deve se proteger contra perdas caso sua análise esteja errada. A probabilidade de cometer pelo menos um erro em seus investimentos em algum momento da sua vida é quase 100% e essas probabilidades estão inteiramente fora do controle do investidor. O Investidor deve ter, no entanto, o controle sobre as consequências desse erro, o que só pode ser feito com uma robusta cultura de gestão de riscos.
Kevin KAL Kallaugher, Kaltoons.com. Reproduzido com permissão.
Ao sucumbir ao comportamento de manada, os investidores somente destroem a própria riqueza, como ilustrado no mais popular cartoon de Kevin KAL Kallaugher;
[1] Warren Buffet - https://youtu.be/vCpT-UmVf3g. acesso em 28/fev/2019 – tradução nossa
[2] MARKS, Howard, The most important thing illuminated – Uncommon sense for the thoughtful investor – Columbia University Press, 2013 p. 44, tradução nossa.
[3] TALEB, Nicholas Nassim, A Lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável, Ed. Best Seller, 2015
[4] Estamos aqui nos referindo às medidas de volatilidade baseadas em modelos que utilizam médias móveis exponenciais ponderadas, conhecidas pela sigla em inglês EWMA
[5] CNBC: “Howard Marks: Best advice for investors” - https://www.cnbc.com/video/2015/10/01/howard-marks-best-advice-for-investors-.html, acesso em 6/fev/2019. Tradução nossa.
[6] Sugerimos a leitura do documento “Persevera: Uma visão de risco diferenciada” disponibilizado no nosso site www.persevera.com.br onde apresentamos o embasamento teórico para a nossa compreensão e definição de risco, explicando detalhadamente os pontos apresentados nessa carta bem como as diferenças entre a Teoria Moderna de Finanças e a Teoria Comportamental
[1] GRAHAM, Benjamin, O Investidor Inteligente, Harper Collins Brasil, 2017
Equipe Persevera.
(11) 4780-3794
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