“Não estamos nem pensando em pensar em pensar em aumentar os juros.”
Jerome Powell¹
A expectativa de retomada econômica com a vacinação, a mudança de governo nos EUA e a elevada liquidez internacional mudaram de forma importante as perspectivas para o desempenho dos mercados financeiros no último trimestre de 2020. Em nossa última carta, descrevemos como essa combinação deverá trazer uma importante reprecificação dos ativos brasileiros ao longo de 2021. Neste mês, revisitaremos nossa visão sobre as taxas de juros nos EUA nesse novo contexto macroeconômico, que tem proliferado as apostas em ativos que se beneficiam da recuperação da atividade e da normalização das taxas de inflação – o chamado reflation trade.
Como de praxe, os movimentos de mercado iniciaram 2021 surpreendendo. Desta vez, o estopim foi a eleição na Geórgia, que garantiu ao Partido Democrata o controle do Senado nos Estados Unidos. Com isso, os Republicanos não conseguiriam mais limitar as elevações de gastos desejadas pela Casa Branca Democrata, o que elevou a percepção de risco inflacionário. Isso reforçou alguns movimentos do reflation trade, com alta das ações, commodities e, em especial, uma forte elevação nas taxas das treasuries.
Forças desinflacionárias estruturais
As taxas de inflação nos Estados Unidos vêm caindo consistentemente desde o início da década de 1980, permitindo uma queda também estrutural das taxas de juros de longo prazo.
A persistência do processo desinflacionário surpreendeu os analistas seguidas vezes. Até mesmo Warren Buffett, no início de 1978, antecipou incorretamente uma volta das altas taxas de inflação:
“Nossa aversão a títulos de renda fixa longos vem do medo de que veremos taxas de inflação muito mais altas ao longo da próxima década.”
Nas décadas subsequentes, os títulos públicos americanos de longo prazo foram um dos melhores investimentos do mundo, especialmente considerando-se a qualidade do crédito do Tesouro dos EUA.
Após a Crise Financeira Global de 2008/2009, os estímulos sem precedentes dados pelos Bancos Centrais e governos também fizeram inúmeros analistas e investidores preverem a perda de controle sobre as taxas de inflação. Novamente, o que se viu foi o oposto: o Fed – Banco Central Americano – e as demais autoridades monetárias não conseguiriam elevar as taxas de inflação para o nível desejado. O mundo vive desde então um processo desinflacionário crônico, ao qual o Brasil se acoplou após o abandono, em 2015/2016 da Nova Matriz Macroeconômica.
Em fins de 2018, retornava ao mercado o receio de que a inflação sairia do controle nos EUA e que o Fed estaria “atrás da curva” em termos da normalização da taxa de juros. Após um breve ciclo de aperto monetário, no entanto, o Banco Central foi levado, pela fraqueza da economia, a reverter o processo de altas, cortando novamente a taxa básica para o intervalo 1,5 – 1,75%a.a.
O movimento deste ano é na mesma linha – a recuperação da atividade americana elevou as expectativas de inflação, e a isso se somaram as expectativas de mais estímulos econômicos. Com isso a inflação implícita de longo prazo se elevou da mínima de 1,7% entre março e maio de 2020 para 2,3% em janeiro/21.
Quando observamos essa mesma série num prazo mais longo, no entanto, fica claro que a elevação recente da inflação implícita é apenas uma normalização após a profunda crise da pandemia de Covid-19.
Desta vez é diferente?
A magnitude e velocidade dos estímulos fiscais e monetários implementados em 2020 foram uma ordem de grandeza superior ao que foi feito na Crise Financeira Global. São, portanto, compreensíveis os temores de que finalmente o dragão da inflação ressurgirá com força. Nossa visão, no entanto, é que isso não deve acontecer.
A queda da inflação, como se pode concluir pelos gráficos apresentados, tem natureza estrutural e não conjuntural. Podemos elencar, sem detalhar muito, quatro causas da desinflação estrutural: 1) o processo de abertura econômica e globalização desde o fim da década de 1970, com a modernização e integração da economia chinesa ao sistema global, 2) os avanços tecnológicos que reduziram a intensidade de mão de obra na produção de bens, mudaram os padrões de consumo em favor de produtos intensivos em tecnologia e aumentaram a eficiência do capital financeiro e humano, 3) o envelhecimento da população, que leva a um excesso de poupança na economia, reduzindo as taxas de retorno dos investimentos produtivos e reduzindo a demanda por bens em detrimento de serviços e 4) a “ressaca do endividamento” vivida pela economia global, que levará anos, se não décadas, para ser inteiramente superada.
Nenhuma dessas razões estruturais muda com a crise vivida em 2020. Os enormes estímulos foram dados em resposta a uma proporcional destruição econômica causada pela imposição de medidas de distanciamento social. Infelizmente não haverá tempo para que o processo de vacinação controle a segunda onda da pandemia, que já é vivida hoje em todo o mundo, o que postergará por alguns meses o processo de reabertura. A prorrogação dos estímulos provavelmente se mostrará necessária nesse ambiente em que um grande contingente ainda está impossibilitado de trabalhar, e não necessariamente se transformará em altas generalizadas de preços. Na verdade, quando analisamos os núcleos de inflação em diversas regiões do mundo, podemos observar que tanto o nível quanto a tendência dos preços continua sendo desinflacionária.
Além disso, não acreditamos que a vitória dos Democratas nos EUA – a “onda azul” – leve de a uma desenfreada elevação de gastos públicos a ponto de colocar pressão sobre a economia e a inflação. A maioria obtida pelos Democratas é estreita na Câmara e de apenas um voto no Senado, exigindo um alinhamento muito forte de todos os diferentes grupos do Partido Democrata. Em outras palavras, não será automática a aprovação de políticas que elevem expressivamente o déficit público.
Acreditamos, assim, que a elevação da inflação implícita e das taxas de juros de longo prazo nos EUA novamente serão movimentos temporários, num contexto de normalização após os excepcionais eventos de 2020. Por um outro ângulo, as taxas de 10 anos nos Estados Unidos, que pareciam muito deprimidas no patamar de 0,50%a.a., já ficam mais equilibradas ao redor de 1%a.a. Embora historicamente ainda seja um nível baixo, essas taxas se destacam entre os países desenvolvidos, muitos dos quais apresentam de taxas longas próximas de zero ou até mesmo negativas.
A volta da paridade de risco
Em nossa carta de fevereiro/2020, defendemos o efeito diversificador de posições aplicadas em juros longos sobre uma carteira de ativos de risco – estratégia conhecida por “paridade de risco”. Quando as bolsas despencam por conta de eventos negativos para a atividade econômica, os ativos de renda fixa compensam parte das perdas. Atualizamos aqui uma tabela muito esclarecedora, que mostra como o desempenho negativo das ações tende a ser compensado pelo retorno das treasuries:
Durante o auge da crise em 2020, as posições aplicadas em juros curtos no Brasil e em treasuries trouxeram ganhos que compensaram de forma fundamental as perdas nas posições de risco. Isso, no entanto, trouxe um desafio para a gestão de investimentos: desde então as posições de proteção da carteira haviam ficado muito caras. No patamar atual da taxa americana, volta a ser interessante a paridade de risco. Como descrevemos em detalhes na carta 2021: O ano da reprecificação do Brasil, acreditamos que posições que se beneficiam da retomada global de atividade, em especial em ativos brasileiros, deverão trazer retornos interessantes:
“acreditamos que 2021 será o ano da reprecificação dos ativos brasileiros de forma consistente com os fundamentos favoráveis que discutimos. A pandemia exigiu que a taxa Selic caísse aos patamares atuais sem, contudo, causar altas descontroladas da taxa de inflação. Mesmo que, no futuro distante, os juros subam novamente, não voltaremos aos patamares exoticamente elevados que já prevaleceram. Isso é uma excelente notícia para o país não somente no ano que vem como também para toda a próxima década”
Essa convergência, no entanto, estará sujeita a percalços, como o que vivemos em janeiro. O “reflation trade” trouxe retornos importantes desde novembro de 2020, e os ativos mais beneficiados como setores cíclicos, bancos, moedas emergentes e commodities podem passar por correções. Nos patamares atuais, posições aplicadas em treasuries voltam a representar importante proteção para a carteira, seja para correções de curto prazo, ou para eventos inesperados que atrapalhem de forma relevante a recuperação econômica. Nesta última hipótese, é bom lembrar que Janet Yellen no Tesouro americano e Jay Powell no Federal Reserve estão prontos para atuar para proteger a retomada. Isso implicaria novos estímulos que trariam as taxas de juros novamente para patamares mais baixos.
Por esses motivos, mudamos de forma importante nosso posicionamento na taxa de juros americana. Com a retomada econômica, chegamos a ficar posicionados para altas nas taxas das treasuries, obtendo ganhos no último trimestre de 2020. Nos patamares atuais, porém, acreditamos que posições aplicadas voltam a ser um complemento importante para uma carteira diversificada de ativos que se beneficiam do fim da pandemia ao longo deste ano.
[1] “We are not even thinking about thinking about thinking about raising rates” ― https://www.cnbc.com/video/2020/07/29/were-not-even-thinking-about-raising-rates-says-fed-chair-jerome-powell.html.
[2] Warren Buffet, Berkshire Hathaway letter to shareholders, February 1987. Tradução nossa.
[3] O Senado ficou dividido entre 50 representantes Democratas e 50 Republicanos, mas o vice-presidente tem o voto de Minerva
Equipe Persevera.
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