“A coisa mais importante que um investidor deve fazer [...] é definir o balanceamento de seu portfolio entre ataque e defesa.”
Howard Marks[1]
Investidores brasileiros experientes certamente tiveram sua dose de aprendizado em crises locais e globais. Mesmo assim, o primeiro trimestre de 2020 certamente pode ser descrito como uma experiência inédita para qualquer investidor no planeta. Mesmo que o investidor tivesse vivido a devastadora epidemia de gripe espanhola da década de 1910, as circunstâncias políticas, tecnológicas e econômicas atuais tornam a pandemia de covid-19 um episódio absolutamente singular.
Nesse sentido, acreditamos que o desempenho do Persevera Compass FIC correspondeu a nossas melhores expectativas para um momento de crise tão aguda, tanto em termos absolutos como em relação aos nossos pares. Em março, o fundo apresentou resultado de +197% do CDI, ao mesmo tempo em que o Ibovespa perdeu cerca de 30% (após visitar uma queda de mais de 40%), o Dólar subiu 16% frente ao Real e o IMA-B[2] perdeu 7%. Apesar de termos entrado o ano de 2020 com posições de risco bastante relevantes, consideramos que nossa estrutura diversificada, a busca contínua por operações de proteção e nossa exposição a taxas de juros curtas no Brasil e no mercado americano contribuíram para proteger de forma expressiva o capital de nossos clientes. Com isso, o Compass teve um excelente desempenho em relação ao grupo comparável, colocando-o entre os melhores fundos do país desde o início em 31/10/2018.
Nossa visão no início do ano
Entramos o ano mantendo nossa visão estrutural de que o país passava por uma recessão de balanços, em contraste a uma recessão cíclica. Por conta disso, acreditávamos que a queda observada nas taxas de juros e inflação seriam muito duradouras. Pelo lado do crescimento, esperávamos uma recuperação fraca em 2020, novamente frustrando as expectativas do mercado.
Do lado da renda fixa, acreditávamos que o Banco Central deveria continuar cortando a taxa de juros além do que sempre esteve precificado nos mercados. Por isso, mantivemos posições aplicadas na curva de juros nominal em prazos curtos e intermediários e na curva de juros real em prazos intermediários e longos. Além disso, ao longo do trimestre, fomos incrementando gradualmente estratégias com opções que se beneficiariam da continuidade do ciclo de cortes. Para os juros internacionais, mantivemos posições aplicadas na curva de juros americana nos prazos de 10 anos e 2 anos, que serviram como uma boa proteção parcial para as demais posições de risco do fundo.
Com relação à renda variável, tínhamos uma visão construtiva para o mercado, apesar da nossa expectativa de que a atividade apresentaria recuperação apenas gradual em 2020. Acreditávamos em uma importante recuperação de margens das empresas, decorrente dos ajustes ocorridos no período pós crise e da queda das taxas de juros. Em nossa visão, isso tornava os preços das ações bastante atrativos. Contudo, aproveitando a excelente performance de alguns papéis da nossa carteira de Renda Variável Fundamentalista ao final de 2019 e início de 2020, reduzimos algumas posições de perfil mais agressivo como Qualicorp e Duratex, tornando a carteira um pouco mais orientada para nomes com exposição ao mercado externo como Vale e São Martinho. Ao longo do trimestre, detivemos posições vendidas em S&P500 e na bolsa da Coreia do Sul como proteções parciais para nossas posições de risco.
Por fim, nos mercados de moedas, tínhamos uma visão favorável para moedas emergentes em relação àquelas com taxas de juros baixas como o Franco Suíço e o Dólar Australiano. Detínhamos também posições importantes compradas na Libra Esterlina contra o Euro, em função de nossa visão favorável em relação à conclusão do longo processo de saída do Reino Unido da União Europeia. Para o Real, mantivemos posições relativamente pequenas, e muitas vezes utilizamos a compra de Dólar como um outro hedge para as demais posições.
Como navegamos o período de crise
Um aspecto importante da posição combinada que detínhamos antes da crise era a combinação entre ativos de risco com posições aplicadas em taxas de juros, a tal “paridade de risco” que discutimos em cartas anteriores. Essa combinação certamente ajudou a atravessar esse difícil período. Dessa forma, as posições aplicadas em juros para prazos mais curtos, representadas especialmente pelas estratégias com opções, bem como os demais hedges da carteira, contribuíram para reduzir parcialmente as perdas em bolsa e moedas.
A partir do final de fevereiro, no entanto, começou a ficar mais claro que a dimensão da epidemia e seus efeitos econômicos seriam muito mais drásticos do que se antecipava. As medidas de contenção da epidemia começaram a apontar para uma queda catastrófica de atividade que exigiu, quase imediatamente, uma forte resposta de políticas fiscais e monetárias.
Isso motivou um importante ajuste em nossas posições de risco. Embora tivéssemos uma visão positiva para o mercado de renda variável, era inegável que o longo período de pujança nos mercados globais poderia tornar o mercado mais suscetível a notícias negativas. E, naturalmente, as notícias de março foram as mais negativas desde a crise financeira global de 2008. Dessa forma, ao longo de março, reduzimos gradativamente nossas posições de risco, saindo da compra de bolsa local e das posições relativas em moedas.
Conforme as taxas de juros no mercado americano caíam, fomos também diminuindo as posições aplicadas, pois o Federal Reserve foi bastante enfático em dizer que não pretende se utilizar de taxas nominais de juros negativas como ocorreu na Europa. Além disso, fomos direcionando as posições de renda fixa local para as estratégias de opções e para a parte curta das curvas de juros, principalmente da curva nominal.
Como mencionamos na edição extra da carta, acreditamos que o Banco Central deverá promover uma agressiva resposta de política monetária, trazendo a taxa Selic para próximo a zero e atuando para que os juros na parte longa da curva também permaneçam em patamares reduzidos. Por esse motivo, neste momento temos uma posição um pouco menos diversificada, o que não é usual para o nosso estilo. Essa posição é composta basicamente pelas estratégias na curva de juros de curto prazo e posições taticamente vendidas no mercado de ações como proteção
Resultados da carteira no mês e no trimestre
Essas movimentações da carteira trouxeram um bom resultado. Como apresentado no gráfico acima, as posições de juros nominais foram o grande destaque positivo. As posições em opções apresentaram contribuição positiva de 270 bps[3] e as estratégias direcionais em juros nominais agregaram outros 300 bps. As posições na curva real foram prejudicadas em especial pelos vértices longos, detraindo 274 bps do desempenho. Ainda assim, a renda fixa local trouxe contribuição total de +296 bps no mês. Adicionalmente, nossas posições aplicadas em juros americanos agregaram outros 17 bps no período. Por outro lado, as posições de renda variável tiveram resultado de -202 bps no período. Além disso, as posições de moedas e commodities subtraíram respectivamente 16 e 41 bps do desempenho do fundo no mês.
No ano, como mostra o segundo gráfico, as posições em opções de juros apresentaram contribuição positiva de 288 bps e as estratégias direcionais em juros nominais agregaram outros 368 bps. As posições na curva real foram prejudicadas em especial pelos vértices longos, detraindo 274 bps do desempenho. A renda fixa local trouxe, portanto, contribuição total de +382 bps. Adicionalmente, nossas posições aplicadas em juros americanos agregaram outros 67 bps no período.
Do lado negativo, nossas posições de risco trouxeram perdas importantes. As posições de renda variável tiveram resultado de -419 bps, apesar do excelente desempenho relativo da carteira de ações fundamentalista. Além disso, as posições de moedas e commodities subtraíram respectivamente 78 e 48bps do desempenho do fundo.
Os resultados do ano se mostram excelentes se comparados às quedas nos preços dos ativos e à performance da concorrência. Esses resultados vão na direção de confirmar nossa visão de que a paridade de risco está se mostrando uma estratégia interessante para o mercado brasileiro.
Perspectivas para os mercados
Após uma queda de quase 40% da máxima atingida, é muito difícil não ser tomado pela incerteza em relação ao futuro para o Ibovespa. Em nossa carta de janeiro, chamamos a atenção para o fato de que o mercado de ações pode sofrer correções abruptas, e que o investidor precisa respeitar seus limites psicológicos para capturar os ganhos de longo prazo neste mercado:
“O movimento correto que o investidor brasileiro já começou a fazer e continuará fazendo nos próximos anos é a redução da participação do CDI em sua carteira. Mas essa mudança deve respeitar os limites psicológicos do investidor e, por isso, ser feita de forma gradual para ativos de maior risco como as ações. Além disso, a elevação conjunta dos investimentos em títulos de renda fixa de longo prazo é a melhor estratégia para implementar essa migração de forma segura e rentável."
Os acontecimentos dos dois meses subsequentes foram uma amarga evidência da importância de dosar bem o nível de risco das carteiras individuais. No entanto, isso não quer dizer que agora seja o momento de abandonar os investimentos em ações. Muito pelo contrário, a história nos ensina que momentos de correções profundas e abruptas como esta são extremamente propícios aos retornos de longo prazo, para quem consegue manter ou até aumentar as posições. Aqui vale esclarecer um aparente conflito: por que recomendamos comprar devagar ou não vender ações se estamos com posição taticamente vendida no fundo? A conciliação entre as duas ideias é que, nós, como investidores em tempo integral, acreditamos que neste momento é interessante estar taticamente vendido em ações, apesar dos níveis de preço atrativos para o longo prazo. A situação técnica do mercado, que acompanhamos continuamente, continua apontando para a chance de quedas de curto prazo relevantes nos mercados de ações. Não é improvável que o Ibovespa caia para abaixo do patamar de 60 mil pontos antes de lentamente retomar uma tendência de alta de mais longo prazo. Acreditamos que, para prazos superiores a 1 ano, é sim um bom momento para estar posicionado do mercado de renda variável.
Mas é possível fazer algumas considerações genéricas quando se pensam em prazos de investimento mais longos. A primeira e talvez a que possamos fazer com maior convicção é que para quem já vinha comprado, não é hora de reduzir as posições em ações. Além disso, em momentos de altíssima volatilidade, seguidos limites de baixa e crises globais, movimentos grandes de posição são pouco recomendados, pois podem rapidamente testar os limites psicológicos do investidor. Portanto, o investidor cauteloso poderia até mesmo começar comprar, porém com a consciência de que é possível que novas mínimas ainda sejam observadas, o que sugere ser interessante realizar essas aquisições de forma gradual. Por fim, para o investidor com “nervos de aço” pode ser, parafraseando Howard Marks, “um” momento para comprar. Nunca saberemos se é “o” momento de comprar.
Reiteramos também nossa visão de que o Banco Central será convencido da necessidade de um importante estímulo monetário adicional. Não estamos mais vivendo a situação crônica dos últimos anos, mas sim um colapso econômico agudo, que exige a utilização de todas as ferramentas necessárias para suportar a economia. Assim, acreditamos que as posições em renda fixa ainda detêm bastante valor, pois a taxa Selic ainda sofrerá reduções importantes nesse contexto. Embora no curto prazo estejamos com uma posição mais focada em juros, continuamos a acreditar no poder diversificador da estratégia de paridade de risco, que combina investimentos em ações a títulos de renda fixa de longo prazo.
Na Persevera, o controle rigoroso de riscos é tão importante quanto a busca por retornos, e nossas "linhas de defesa" têm a finalidade de mitigar a possibilidade de perdas extremas. Em outras palavras, em períodos de exuberância, buscamos apresentar bons resultados, mas sem perder a sobriedade, a disciplina e sem comprometer a diversificação da carteira. Por outro lado, em situações de stress ou ruptura, as linhas de defesa permitirão uma preservação efetiva do capital dos nossos clientes. Os meses de fevereiro e março foram um lembrete de que, por mais que o cenário econômico pareça positivo, os retornos dos ativos estão sujeitos a choques imprevisíveis e que podem trazer perdas de grande magnitude. Nesse sentido, acreditamos que o Persevera Compass FIC cumpriu o seu papel em um momento que muitos já classificam como a maior crise de todos os tempos.
[1] CNBC: “Howard Marks: Best advice for investors” - https://www.cnbc.com/video/2015/10/01/howard-marks-best-advice-for-investors-.html, acesso em 2/abr/2020. Tradução nossa.
[2] Índice que mede a rentabilidade das NTN-Bs, e portanto dos títulos de renda fixa de longo prazo.
[3] 1 bp ou basis-point corresponde a 0,01%.
Equipe Persevera.
(11) 4780-3794
Comments