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Persevera Asset Management

Um novo superciclo de commodities?

“As projeções consensuais extrapolam as observações correntes na maior parte do tempo.” Howard Marks¹


A Persevera é uma gestora de investimentos com uma estratégia diversificada e multidisciplinar. Dentro dessa estrutura, temos um livro dedicado ao mercado de commodities, além de fazermos o acompanhamento permanente desses produtos para projetar seus impactos nas taxas de inflação e taxas de juros.


Na carta deste mês, vamos discutir um pouco a dinâmica de preços nesses mercados, com foco em commodities relevantes para a economia brasileira – grãos e carnes. A ideia é trazer um panorama desses mercados, conforme acompanhado e analisado pelas nossas equipes de economia e gestão.


A dinâmica dos preços agrícolas


A sequência e velocidade dos eventos ocorridos em 2020 e 2021 com a pandemia de covid 19 e seus desdobramentos foi inédita em nossas vidas e carreiras. Seu reflexo nos mercados de commodities não foi diferente. A queda de preços provocada pelo fechamento da economia levou os países produtores agrícolas a cortar ou até mesmo cessar a produção temporariamente, reduzindo os estoques mundiais. Logo em seguida, no entanto, os estímulos fiscais e monetários deram início a uma forte recuperação na demanda, principalmente de bens. A aprovação, produção e distribuição de vacinas para todo o mundo reforçou e ampliou essa retomada, levando ao forte otimismo com a economia mundial que prevaleceu em 2021. Esse cenário de retomada, com o enfraquecimento do dólar em relação à maioria das moedas, já seria condição suficiente para elevação dos preços das commodities agropecuárias. Somaram-se a esse cenário altista os diversos problemas climáticos em todo o mundo, que reduziram de forma significativa a oferta de produtos agropecuários. Assim, as cotações agrícolas, que já vinham pressionadas, ficaram reféns das chuvas no meio oeste dos Estados Unidos e no centro-sul do Brasil a partir do segundo trimestre do ano.


Essa configuração de restrições de oferta em ambiente de demanda acelerada levou alguns analistas a colocar a hipótese de um novo “superciclo” de commodities – um período longo de elevação dos preços, análogo ao ocorrido nos dez anos terminados em 2008. O terceiro trimestre colocou dúvidas sobre essa hipótese de alta continuada dos preços, ainda que por razões conjunturais. Nesse período, uma nova rodada de fechamentos econômicos provocada pela variante delta do coronavírus reacendeu as preocupações com o crescimento de diversas economias asiáticas, inclusive a China.


Perspectivas para os mercados de grãos e carnes


É possível argumentar que esse desequilíbrio pode ser duradouro, ainda que não represente um novo superciclo de preços. Do lado da oferta, as perspectivas para o próximo ano são de recuperação, havendo condições climáticas mais favoráveis. A previsão da Conab é de forte alta da safra de grãos para o Brasil, de 14%[2] para 21/22, marcando um novo recorde 12% acima da safra 19/20 e trazendo implicações baixistas para os preços.


Por outro lado, pode estar surgindo um novo padrão de demanda mundial por grãos e proteínas como legado do combate à peste suína africana (PSA). A peste suína africana é uma praga altamente contagiosa que acomete o plantel e leva à morte dos animais. Para conter seu avanço, faz-se necessário o sacrifício de parcelas significativas do rebanho. A partir de 2018, a pecuária suína chinesa foi fortemente acometida pela praga, com algumas estimativas indicando a perda de 60% do rebanho do país[2]. Ainda assim, o vírus continuou se espalhando, tendo atingindo outros países da Ásia e Europa e, mais recentemente, também da América.


A carne suína é a mais consumida na China, e a oferta vinha da própria pecuária local, em grande parte “de quintal”. Para suprir a demanda, o país ampliou fortemente as importações de carne suína do Brasil e diversificou o consumo, incrementando também a importação de carne bovina e frango e pagando preços superiores aos demais países.


Essa forte demanda pelas proteínas brasileiras fez com que o preço da carne no mercado doméstico alcançasse níveis recordes ao final de 2019, levando a inflação de carnes a 32% em 2019 e 18% em 2020. Ao mesmo tempo, a fatia nas exportações brasileiras representadas pela China[3] saltou para 73% na carne suína e 72% na carne bovina em maio de 2020.


Desde o final de 2020, o rebanho de suínos da China vem mostrando recomposição, com o governo incentivando melhorias na criação dos animais. Como mencionado, antes do surgimento da doença, a criação de suínos era em grande parte de “fundo de quintal”, com pouquíssima fiscalização ou preocupação sanitária e com uso de lavagem para alimentação dos leitões. O governo chinês, com vistas à segurança alimentar da população, passou a incentivar uma produção mais profissional e industrializada envolvendo, por exemplo, grandes fazendas verticais robotizadas e suplantando o rebanho com material genético de países livres da peste. Esse novo modelo produtivo utiliza ração a base de milho e soja para alimentação do plantel.


Essa profissionalização chinesa da produção de carne suína, mais parecida com os moldes brasileiros, passou a demandar mais ração para a alimentação dos animais, ou seja, a demanda chinesa por milho e soja tem aumentado à medida que os planteis têm sido reconstituídos. Um cenário de maior demanda se juntou, portanto, aos fatores climáticos e fizeram com que os preços da soja e do milho se elevassem expressivamente.



A China ainda responde por mais de 50% das exportações de carne bovina e suína brasileiras, mas a tendência de médio e longo prazo é de redução dessas compras, aumentando a disponibilidade no mercado brasileiro. Ainda assim, é possível que o padrão de consumo de carne bovina pela China tenha se alterado estruturalmente, pois antes da peste suína, apenas a elite conseguia consumir carne bovina, mas a necessidade e maior disponibilidade podem ter criado uma demanda permanente pela população como um todo. A China tem, portanto, um grande potencial de aumento de consumo de carne bovina, enquanto acontece o inverso nos demais continentes.


No mercado local, a elevação dos preços da carne bovina nos últimos anos levou o consumidor a substituir essa proteína por opções mais acessíveis. A reabertura pós vacinação e a possível extensão dos auxílios podem levar a uma recuperação da demanda, porém limitada por uma atividade econômica ainda anêmica. Além disso, a forte deterioração das condições financeiras capitaneada pelo ciclo de alta de juros implementado pelo Banco Central aponta para uma contração do crescimento econômico em 2022, reforçando assim uma perspectiva de demanda interna limitada. Se confirmada a recuperação da produção de grãos, haveria também um alívio de custos com a alimentação do rebanho, permitindo uma queda mais relevante nos preços da carne bovina para o mercado interno. No curto prazo, o aparecimento de casos da doença da vaca louca atípica provocou a interrupção das importações da China enquanto são submetidas informações solicitadas a fim de garantir a segurança sanitária do produto. Por isso, os abates voltados ao país Asiático foram interrompidos, e algum excesso de oferta foi destinado ao mercado local, colocando pressão baixista nos preços. Este efeito, no entanto, deverá se mostrar transitório.




A continuidade das adversidades climáticas é um risco para esse cenário mais benigno para os preços. A seca obriga o confinamento dos animais, o que aumenta os custos pois se faz necessário o uso de ração em substituição ao pasto. Isso também aumenta a demanda local por grãos, que se combinaria ao aumento estrutural da demanda chinesa, reduzindo as margens da pecuária local.


Em formas diferentes, os deslocamentos que descrevemos nos mercados agropecuários também têm se mostrado presentes nas commodities metálicas e energia. De forma resumida, a origem desses desequilíbrios do lado de energia, principalmente petróleo e gás natural na Europa, é a redução dos investimentos, iniciada pela necessidade de migração para matrizes limpas, mas agravada com a queda de preços catastrófica decorrente dos fechamentos em 2020. Neste mercado, a recuperação da demanda pós abertura foi muito mais forte e encontrou dificuldades generalizadas de oferta e logística, resultando na elevação de preços e em alguns casos na escassez pela qual passamos. As commodities metálicas acabaram sendo indiretamente, mas fortemente afetadas, em função da intensidade energética em sua produção. Em ambos os casos, há a perspectiva de normalização no médio prazo, em especial por uma redução do consumo de commodities industriais pela China por conta da desaceleração do setor de construção civil.


Portanto, como vimos em grãos e carnes, tanto oferta quanto demanda por commodities estão passando por alterações relevantes do ponto de vista estrutural. Essas alterações poderão levar a deslocamentos permanentes de preços e quantidades produzidas. Por sua natureza, porém, essas mudanças, aceleradas pela pandemia, não parecem indicar um contínuo processo de elevação de preços como num “superciclo”, mas sim uma mudança seguida de acomodação em novos patamares.


Para o Brasil, do ponto de vista macroeconômico, esse cenário favorável para a demanda de grãos e carnes, com preços em patamares elevados e produção recorde permitem resultados comerciais muito fortes. Neste ano mesmo, a balança comercial deve fechar próximo a US$70 bilhões, e, para os próximos anos, é razoável esperar a continuidade do cenário favorável. Esse fluxo cambial potencial é um dos fatores que, a nosso ver, levará o Real a se apreciar para um patamar mais próximo dos fundamentos, ao menos abaixo de R$5, quando os ruídos em torno da discussão orçamentária e do teto de gastos permitirem. Uma reapreciação cambial seria muito bem vinda para auxiliar o Banco Central a trazer a inflação de volta para o centro da meta, e um cenário de preços de commodities mais estáveis, ainda que elevados, também ajudaria nesse contexto.






 

(11) 4780-3794



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