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  • Persevera Asset Management

Um olhar alternativo sobre o retorno das ações.

"O mercado está repleto de pessoas que sabem o preço de tudo, mas o valor de nada."

Phillip Fisher[1]


Como avaliar se uma ação ou um índice de ações como o Ibovespa estão caros ou baratos nos preços correntes?


Quando se fala de análise fundamentalista, uma prática comum é fazer o "valuation" de uma companhia, com o objetivo de determinar o seu valor intrínseco. Ao comparar o valor encontrado com o preço atual dos papéis, pode-se descobrir qual é o potencial de retorno daquele ativo. Compra-se a ação se o preço estiver abaixo deste valor justo ou se vende da carteira (ou a descoberto) caso esteja acima.


Existem metodologias distintas para determinação desse valor intrínseco, como por exemplo o modelo de desconto de dividendos (Dividend Discount Model - DDM) ou o Fluxo de Caixa Descontado (Discounted Cash Flow - DCF). Em ambos os casos, o investidor projetará os fluxos de caixa do investimento – no DDM os dividendos e no DCF os fluxos para a empresa – e calculará o valor presente destes fluxos através de uma taxa de desconto que represente uma remuneração justa pelos riscos incorridos.


Uma premissa implícita é que existe um valor intrínseco, “justo”, para a empresa. Em outras palavras, seu valor está vinculado de forma absoluta a essas características próprias – os fluxos de caixa e, principalmente as taxas de desconto – de forma independe do investidor que realiza a avaliação.


O valor e seus determinantes


Para verificar se essa premissa é válida, precisamos entrar numa breve discussão sobre o conceito de valor. O que é o valor de um bem e quais são seus fatores determinantes? Esse é um dos principais debates da ciência econômica do século XVIII. Adam Smith em "A Riqueza das Nações" foi um dos proponentes da Teoria do Valor-Trabalho, mais adiante defendida por David Ricardo e Karl Marx. Em linhas gerais, Smith postulava que o valor de um bem é determinado pela "quantidade de trabalho socialmente necessário" para sua fabricação, ou seja, o trabalho incorrido diretamente em sua produção, incluindo-se a quantidade de trabalho de todos os insumos utilizados no processo. Embora amplamente difundida no século XIX, a teoria contém falhas relevantes. Um trabalhador pode gastar semanas cavando buracos sem que ninguém tivesse solicitado. Pela teoria, os buracos teriam o valor das horas empregadas para produzi-los. Dificilmente esse seria o caso, a não ser que esses buracos tenham alguma utilidade.


Em sua obra de 1871, "Princípios de Economia Política", Carl Menger trouxe uma visão sobre a origem valor que inverteu a lógica vigente. Para Menger, o valor é subjetivo, ou seja, ele está nos olhos (ou modelos de valuation) de quem faz a avaliação. Não existiria um valor objetivo intrínseco ao bem, apenas a utilidade que se deriva do seu uso ou consumo, que naturalmente varia de um agente para outro, ou ao longo do tempo para um mesmo agente. Mais do que isso, a utilidade é decrescente “na margem”, ou seja, à medida que o agente consome mais e mais quantidades daquele bem. Num exemplo conhecido, o valor de um copo d'água pode ser imenso para uma pessoa perdida há dias no deserto, e irrelevante apenas algumas horas após a mesma pessoa ter retornado à civilização e se hidratado. Em ambos os casos, estamos falando do mesmo produto e do mesmo agente, mas o valor é muito diferente.


Essa grande mudança do conceito de valor deu origem à chamada "Revolução Marginalista" na economia, e Carl Menger é considerado o pai da Escola Austríaca, uma linha de estudos em economia que tem ganhado notoriedade recentemente. A Escola Austríaca parte dessas premissas para estudar a economia através de uma metodologia distinta da neoclássica ou keynesiana, chegando a diferentes conclusões e prescrições. Sob essa abordagem, decisões individuais tomadas livremente pelos agentes são centrais para o crescimento econômico e o aumento da produtividade. Decisões de política econômica centralizadas – tais como são implementadas as políticas fiscais e monetárias no mundo hoje – somente introduzem ineficiências, pois não consideram a individualidade na percepção de utilidade e valor que permitem a alocação eficiente dos recursos produtivos.


Consequências para os investidores


No mundo dos investimentos, as lições de Menger nos levam a postular que não existe valor intrínseco de uma ação. Um exercício que busca determinar um valor absoluto, reconhecido por todos os investidores, está fadado ao fracasso. Essa constatação, porém, não elimina a utilidade da análise fundamentalista, mas faz com que coloquemos mais ênfase no processo de investigação, debates, análise de cenários e na psicologia do mercado, buscando entender o que os investidores enxergam para a empresa em termos de crescimento e lucros futuros. No entanto, somos obrigados a reconhecer que o resultado do "valuation" não é uma verdade absoluta, mas sujeita a este contexto analítico.


Esse relativismo da medida do valor “justo” também se aplica à conhecida análise de múltiplos. Nessa abordagem, ao invés de projetar os resultados de longo prazo e descontá-los a uma taxa de atratividade, estimam-se apenas os resultados de horizonte curto (no ano, próximos anos, 12 meses etc.) para compará-los com os preços correntes – o famoso índice price to earnings ou P/E. Com isso, há menos incertezas em relação aos resultados de longo prazo – por sua natureza de mais difícil estimação – e há também menos arbitrariedade na definição da própria taxa de desconto. Por outro lado, há a grande desvantagem de que a taxa de crescimento (ou queda) dos resultados em anos subsequentes não é incorporada na medida de valuation.


Em particular, os múltiplos do mercado brasileiro têm estado em patamares bastante deprimidos em relação ao histórico, como vemos pelo gráfico a seguir.



No entanto, essa precificação pode estar relacionada a uma esperada desaceleração ou queda dos resultados em setores específicos, como commodities e bancos, que são bastante relevantes no índice. Os lucros das empresas de commodities, por exemplo, se elevaram bastante com o cenário de reflação que temos vivido desde o fim de 2020, e os analistas esperam – corretamente ao nosso ver – que haverá uma moderação dos preços. Nesse sentido, os múltiplos reduzidos podem indicar que os lucros estão temporariamente inchados e não que o mercado esteja barato em termos absolutos.


Uma medida de retorno do investimento


Além disso, as projeções anuais de lucros das empresas são sujeitas a outras limitações tais como:

  • O lucro contábil não diferencia empresas geradoras de caixa de empresas que precisam consumir caixa para manter ou expandir o nível de suas operações

  • Para comparações internacionais, o lucro contábil não considera as taxas de inflação

  • Entre companhias, o lucro pode ser afetado pelos critérios contábeis adotados, como capitalização de despesas

  • O lucro é afetado pelos diferentes níveis de endividamento das empresas.

Como mencionamos em uma carta anterior, uma medida de rentabilidade das ações que acompanhamos é calculada pela área de investimentos do banco Credit Suisse, implementada através do sistema HOLT[2]. Essa metodologia trata essas limitações do lucro contábil, transformando os dados brutos em projeções padronizadas de fluxos de caixa e crescimento.


Essa análise traz uma resposta alternativa para o problema do valor justo. Com as projeções de fluxo de caixa da empresa líquido dos reinvestimentos, é possível calcular a taxa interna de retorno entre esses fluxos e o valor de mercado total da companhia[3]. Essa taxa de retorno é uma espécie de taxa real implícita do investimento na ação[4].


Por essa ótica, vemos por exemplo que a taxa de retorno implícita no mercado de ações brasileiro não se encontra em patamar extremo, ainda que tenha se elevado recentemente dos patamares posteriores a maio/2019.



Vale a pena investir em ações no Brasil?


Outro aspecto interessante dessa abordagem é que ela de certa forma elimina a necessidade de determinação de um valor justo absoluto, evidenciando que isso dependerá do investidor. Em outras palavras, será que uma taxa de retorno real de 6%a.a. compensa adequadamente o investidor dos riscos e do prazo de maturação de investimentos em ações brasileiras? A resposta para essa pergunta dependerá em parte do investidor que analisa a situação, mas a comparação histórica indicada pode dar um ponto de partida.

Além disso, a seleção de investimentos não é uma decisão absoluta, dependendo das alternativas de alocação de recursos disponíveis e suas rentabilidades esperadas. No caso do mercado de ações brasileiro, a taxa de retorno está ligeiramente acima da média histórica, mas as taxas dos títulos públicos, que ensaiaram uma importante redução no período 2016-2020 voltaram a se elevar de forma importante.




Ainda assim, os juros reais estão em patamares bem inferiores aos que prevaleceram no passado. Por isso, em termos relativos, quando calculamos a diferença entre a taxa implícita nas ações e as taxas reais de juros, o prêmio do mercado de ações brasileiro – atualmente em 1,4%a.a. – ainda permanece em patamares elevados, embora não mais no ponto máximo da série (2,5%a.a.). Como vimos no início, não haverá uma resposta absoluta, mas podemos observar que o prêmio das ações ainda permanece razoavelmente acima da média de longo prazo (1,4%a.a. contra 0,6%a.a.). A taxa de retorno real de 6,0%a.a. oferecida pelo mercado de ações brasileiro é um pouco maior que a média da última década, mas a diferença em relação à renda fixa ainda está em patamares atrativos. Esse é um dos motivos pelos quais os fundos da Persevera têm carregado posições compradas em ações no Brasil, que têm trazido contribuições positivas.


No entanto, essa equação pode mudar com o relevante movimento de desancoragem dos juros nominais no Brasil. Esse movimento, iniciado pela elevação das expectativas de inflação, foi agravado pela comunicação do Banco Central na condução da política monetária, e já tem tido repercussões nas taxas de longo prazo. A taxa real de 10 anos, que chegou a 3%a.a. no início de 2020 já se elevou para um patamar acima de 4,5%a.a. Naturalmente, os investimentos em renda variável ficam menos atrativos com essa importante elevação das taxas reais na curva soberana. Ao contrário do que parecem crer os analistas e o próprio BC, a forte elevação das taxas de juros ao passo de 100 bps por reunião já começa a ter consequências negativas para a economia, tornando bem menores os prêmios oferecidos pelo mercado de ações e causando a saída de investidores locais. Ao nosso ver, as taxas de juros nominais acima de 10%a.a. (implicando taxas reais da ordem de 6% ou 7%a.a.) se mostrarão insustentáveis, causando forte desaceleração da economia e das taxas de inflação. Até que esse cenário se torne claro, no entanto, será natural ver uma maior cautela e um maior questionamento dos investidores em relação aos investimentos em ações.


Equipe Persevera


Carta Persevera 2021-08
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[1] " The stock market is filled with individuals who know the price of everything, but the value of nothing.", https://www.investopedia.com/financial-edge/0511/the-top-17-investing-quotes-of-all-time.aspx, acesso em 09/09/2021. [2] https://www.credit-suisse.com/microsites/holt/en/what-is-holt/holt-lens.html, acesso em 26/11/2020 [3] Valor de mercado entendido como o Enterprise Value, ou seja, independente da fonte de financiamento. [4] Market Implied Discount Rate, a taxa interna de retorno dos fluxos de caixa padronizados da empresa comparados com a precificação de mercado

 

(11) 4780-3794



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