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A crise fiscal é uma miragem?

“Do ponto de vista estrutural, com as reformas que o Brasil fez nos últimos anos, o cenário melhorou muito.”

Mansueto Almeida [1]



Entre 2015 e 2019, a equipe da Persevera era uma voz solitária defendendo que a relação dívida/PIB não chegaria aos temidos 100% do PIB, como de fato nunca chegou. Novamente nos últimos dois anos, ficamos quase sozinhos argumentando que a estrutura fiscal do Brasil tinha finalmente mudado. Há tempos defendíamos que o “filme” de nossa realidade fiscal era muito melhor do que a “foto”, embaçada que estava pelos gigantescos auxílios emergenciais e pelas batalhas orçamentárias e discussões de PECs.


A realidade agora aparece escancarada nos dados: a dívida pública brasileira foi uma das que menos cresceu entre 2019 e 2021 – apenas +2,9% do PIB, totalmente na contramão da narrativa atual. Os países desenvolvidos mostrados no gráfico a seguir aumentaram seu endividamento entre 10 e 25 pontos percentuais do PIB, enquanto os emergentes, que têm menor espaço fiscal, elevaram sua dívida em até 20 pontos percentuais do PIB.


Não estamos defendendo aqui que a situação fiscal brasileira é confortável. O Brasil é um país com grandes demandas não atendidas e recursos insuficientes devido a um estado obeso e ineficiente. O caminho das reformas tem que continuar a ser trilhado. Mas o fato de que temos importantes desafios não quer dizer que haja descontrole fiscal, como por algum tempo vem sendo alardeado pelos investidores. Na verdade, enquanto víamos os mercados penalizando os ativos brasileiros pelo “descontrole fiscal”, “nunca antes na história deste país” passamos por uma queda desta magnitude na relação dívida/PIB. É o que chamamos, no título desta carta, de uma grande miragem fiscal – a percepção de que o país estava quebrando quando na verdade fazia a maior consolidação fiscal de sua história.




A julgar pelas opiniões de analistas e investidores, essa observação é surpreendente, a realidade dos números parece ser o exato oposto da percepção dos mercados. Mas o fato é que a elevação da dívida no Brasil em 2020 para combater a pandemia foi uma das menores dessa amostra (atrás apenas de México e Turquia) e a queda da dívida em 2021 foi a maior da amostra.



Muitos analistas têm atribuído essa surpreendente melhora fiscal à aceleração dos índices de inflação brasileiros. Isso é apenas parcialmente verdadeiro. De fato, o nível da inflação brasileira é um pouco mais alto do que o do grupo de países listados (com exceção da Turquia). Todos esses países, no entanto, estão também enfrentando aceleração inflacionária nos últimos 12 meses, em intensidade comparável ou até maior do que a observada no Brasil.





Em outras palavras, não se pode atribuir a melhora fiscal apenas à elevação da taxa de inflação. Pelo contrário, se analisamos as componentes do resultado fiscal, observamos uma melhora generalizada, decorrente sim de uma forte recuperação de receitas, mas também de um vigoroso controle de despesas.


Em 2021, viu-se o primeiro superávit primário consolidado desde o início da crise fiscal em 2014. Apesar dos vultosos auxílios emergenciais concedidos em 2020, estendidos de forma barulhenta na negociação do orçamento de 2021 e agravados pelas discussões da PEC dos precatórios, o setor público consolidado poupou 0,75% do PIB no ano. Em janeiro, o resultado acumulado em 12 meses melhorou mais ainda, alcançando 1,23% do PIB.



A recuperação do resultado primário no ano passado é de longe a maior desde o Plano Real. Trata-se de uma consolidação fiscal de mais de 10 pontos percentuais do PIB, algo visto poucas vezes mesmo ao redor do mundo. Para colocar em contexto, o resultado acumulado em 12 meses passou de -R$703 bilhões em 2020 para +R$65 bilhões em 2021 – uma melhora de R$768 bilhões. Ou seja, enquanto os ativos brasileiros eram penalizados por uma elevação de despesas da ordem de R$100 bilhões para 2022, consolidava-se uma melhora fiscal mais de sete vezes maior.


De onde veio toda essa melhora?


O gráfico a seguir mostra a arrecadação federal e as despesas do governo central, ambas acumuladas em 12 meses e corrigidas pelo IPCA para valores de dezembro de 2021.



Sem dúvida, houve uma expressiva retomada das receitas, de R$360 bilhões desde o pior momento em julho/20. Mas a queda das despesas foi ainda maior – de R$560 bilhões em termos reais do pior ponto em novembro/20. Se olharmos um prazo mais longo, vemos que essa recuperação é consequência direta da PEC do teto de gastos e dos subsequentes esforços de controle de despesas dos Ministros Meirelles e Guedes. A partir do governo Temer, os gastos primários deixaram de crescer monotonicamente e passaram a ficar estáveis, a despeito do forte pico durante a pandemia. Por outro lado, a arrecadação, que vinha fraca desde a recessão de 2014-2016, recuperou-se fortemente ajudada pela volta da atividade e pela elevação do preço das commodities.


EEm outras palavras, o plano de se retornar à sustentabilidade fiscal gradativamente por meio do controle das despesas foi executado e deu certo – mesmo com o enorme percalço representado pela pandemia de covid-19. Para reforçar esse ponto, vale a pena notar que ainda estaríamos observando déficits fiscais caso a trajetória de despesas tivesse mantido a tendência pré teto de gastos, como indicado pela linha tracejada no gráfico.


O mercado finalmente enxergou a miragem?

A partir da virada do ano, os ativos brasileiros mostraram alguma recuperação em relação aos níveis incrivelmente deprimidos do final de 2021. A melhora fiscal que exploramos nesta carta parece ter finalmente sido notada pelo mercado. Ajudados por essa percepção, os ativos brasileiros começaram um movimento de recuperação. Esse bom desempenho foi também reforçado pelo dos mercados emergentes em geral, que se beneficiaram de um cenário mais positivo para commodities num ambiente em que a China promove um aumento das políticas de estímulo, ao contrário dos Estados Unidos.


Ainda assim, quando comparamos o Real a uma cesta de moedas emergentes, vemos que o descolamento negativo que prevaleceu entre maio/2020 e novembro/2021 finalmente se reverteu. Isso se deu em dois momentos: nos últimos meses do ano passado, o Real se desvalorizou muito menos do que a cesta de países emergentes, e, a partir de 2022, a moeda brasileira se fortaleceu muito mais do que seus pares.



Apesar de essa diferença ter se revertido, continuamos acreditando que há grande potencial de apreciação dos ativos brasileiros em 2022. No caso do câmbio, além da melhora dos fundamentos fiscais que aqui discutimos, prevalece um cenário muito favorável para os termos de troca, mesmo antes da eclosão da crise geopolítica na Europa.



Além disso, a exorbitante elevação de juros implementada pelo Banco Central, ainda que, a nosso ver, excessiva e incorretamente conduzida, colocou o Brasil novamente entre os líderes mundiais do diferencial de juros, o que dá um forte suporte à moeda através dos fluxos oriundos do “carry trade”.


De forma análoga, os mercados de renda fixa e ações continuam bastante atrativos. Como temos argumentado, taxas implícitas de 12%a.a. ao longo da curva de juros no Brasil vão se mostrar insustentáveis, conforme a atividade econômica e as taxas de inflação começarem a reagir a o aperto monetário. No caso das ações, mesmo com a recuperação recente, os múltiplos da bolsa brasileira ainda se encontram bastante deprimidos. Esse quadro, portanto, continua apontando para um bom desempenho dos ativos brasileiros nos próximos meses, apesar das permanentes preocupações dos investidores com a miragem do descontrole fiscal.



Equipe Persevera.


Carta Persevera 2022-02
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(11) 4780-3794



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