“Eu vivi muitos mercados de baixa em que, se você fosse agressivo na venda, poderia ter sua cabeça cortada."
Desde o pior momento em meados de junho, os mercados financeiros globais apresentaram forte recuperação. O índice S&P 500 subiu quase 13% desde a mínima, e as taxas de juros de 10 anos nos EUA caíram mais de 80 pontos base[2]. Esse movimento aconteceu a partir do momento que o Fed – banco central norte americano – promoveu uma elevação de 0,75 ponto percentual na taxa de juros básica, algo que não se via desde a década de 1980.
Será que a contração nas políticas monetárias globais já está surtindo efeito sobre as taxas de inflação, de forma que o pior momento para os preços dos ativos já passou? Ou será que o posicionamento dos investidores teria ficado tão pessimista que estamos passando por um “bear market bounce”, ou seja, uma forte recuperação de curto prazo em uma longa tendência de desvalorização dos ativos? Nesta carta, argumentamos que a segunda hipótese parece mais plausível. O nível de pessimismo nos mercados financeiros alcançou um patamar muito elevado recentemente, de forma que algumas notícias menos negativas provocaram essa rápida recuperação, que pode continuar no curto prazo.
Um nível recorde de pessimismo
Os mercados financeiros viveram o pior momento deste ano ao redor da reunião do FOMC[3] de junho. A taxa de juros de 10 anos nos EUA se aproximou do patamar de 3,5%a.a. – o maior em mais de uma década – e o S&P 500 marcou uma queda de 23% em 2022[4]. Naquela semana, um artigo[5] publicado no The Wall Street Journal foi recebido pelos analistas como uma tentativa de sinalização do banco central americano de que elevaria a taxa de juros em 75 pontos base, diferentemente dos 50 bps esperados pelo mercado. Os fatores por trás dessa postura mais hawkish foram a divulgação de um índice de inflação ao consumidor acima do esperado – acumulando 9,1% em 12 meses – e a elevação das expectativas de inflação de longo prazo dos consumidores segundo a pesquisa da Universidade de Michigan.
De fato, o Fed elevou a taxa básica em 75 bps naquela reunião, mas Jerome Powell indicou que essa elevação era “grande e não usual”[6] e não quis se comprometer com uma alta da mesma magnitude em julho. Em nossa visão, este foi o momento de maior pessimismo do mercado, com os investidores reduzindo de forma agressiva suas exposições aos ativos de risco, e, no caso dos fundos de ações, elevando os níveis de caixa para o maior patamar desde 2008. As notícias que se seguiram a esse momento foram conflitantes. Por um lado, finalmente as cadeias de suprimento globais parecem estar começando a se normalizar, como refletido na queda dos preços de fretes e em alguma redução nos preços de commodities. Com a queda no preço do petróleo, as expectativas de inflação do consumidor da pesquisa da Universidade de Michigan também voltaram a ceder.
Por outro lado, a inflação continuou a surpreender para cima, com o núcleo se mantendo no elevado patamar de 5,9% em julho, o que inclusive levou o mercado de juros a antecipar uma elevação de 1 ponto percentual pelo Fed em sua última reunião. Essa percepção se dissipou com indicações dos diretores Bullard e Waller, que afirmaram que o passo de 0,75 seria consistente com a implementação de um aperto monetário adequado.
Além disso, a inclinação da curva de juros, a diferença entre as taxas de juros para 10 anos e para 2 anos, que vinha oscilando próxima a zero, acentuou sua queda para patamares negativos. A taxa de 10 anos abaixo da taxa de 2 anos historicamente indica que o patamar corrente de juros levará a economia americana a uma recessão. De fato, a primeira divulgação do PIB do segundo trimestre nos EUA apontou para dois trimestres consecutivos de queda na atividade econômica – a definição de uma recessão. Vale lembrar, no entanto, que os números de PIB são sujeitos a importantes revisões ao longo do tempo e que, portanto, ainda não é certo que a economia americana já tenha entrado em uma nova recessão.
Apesar de tudo isso, os mercados financeiros globais se recuperaram fortemente nessas 6 últimas semanas, com alta das bolsas globais, queda nas taxas de juros e, mais recentemente, também uma depreciação do dólar. Em julho, o Fed indicou que espera “em algum momento no futuro” desacelerar o passo das altas. O comitê indicou também que pretende reagir de acordo com a evolução dos dados econômicos e não mais direcionar o mercado com o chamado forward guidance – a “prescrição futura” para a política monetária. Essa comunicação abriu espaço para uma interpretação mais positiva pelo mercado, em especial após os dados do PIB parecerem confirmar a desaceleração da atividade americana. Assim, ao final de julho, os investidores parecem ter incorporado a narrativa de que o Fed conseguirá trazer as taxas de inflação para próximo de 2% sem causar uma recessão profunda.
Desinclinação da curva em períodos de elevada inflação
À primeira vista, pode parecer que a curva de juros nos EUA já está demasiadamente desinclinada – nas 4 últimas recessões, 1990/91, 2001, 2007/09 e 2020, a inclinação mínima observada foi próxima a zero, como agora. No entanto, esse foi o período marcado pela luta contra a inflação cronicamente baixa. Quando incorporamos um período mais longo, vemos que, no início da década de 1980, um período quando desafio eram também as taxas de inflação elevadas, a curva de juros chegou a ficar bem mais desinclinada.
Além disso, apesar das quedas recentes, os preços de commodities ainda permanecem em patamares relativamente elevados, e os componentes da inflação mais sujeitos a inércia têm se mostrado mais pressionados. Nesse cenário, é possível que uma leve recessão, como a observada até agora, ainda não seja suficiente para trazer a demanda agregada a um patamar mais compatível com uma oferta mais restrita. Em outras palavras, é possível que essa desaceleração seja só o começo do que é necessário para que o Fed possa declarar vitória no combate às altas taxas de inflação.
Até onde pode ir essa recuperação?
Nas circunstâncias atuais, portanto, acreditamos que o movimento recente dos mercados é mais condizente com um repique temporário, ou seja, um “bear market bounce”, do que com o início de um movimento estrutural de alta. Ainda resta ao Fed um trabalho relevante de desaceleração de demanda a ser feito para permitir o reequilíbrio entre oferta e demanda na economia global. Mais do que isso, o mercado financeiro parece antecipar que a autoridade americana vai novamente dar uma guinada na política monetária, uma vez que as taxas implícitas no mercado divergem substancialmente das projeções publicadas pelo próprio Fed na reunião de junho.
Vale destacar que o principal “risco” para esse cenário seria alguma solução rápida para o conflito entre Ucrânia e Rússia, que levasse à normalização da oferta das diversas commodities por ele afetadas. Embora esse desdobramento nos pareça improvável visto de hoje, o estrategista chefe da Clocktower Group, Marko Papic, tem uma visão bastante fora do consenso, de que os interesses da Rússia e da Europa se alinham de tal forma a permitir um fim rápido do conflito e das sanções, levando a uma queda no preço do petróleo[7].
Nossa visão contrasta com a de Papic, ou seja, acreditamos que as mínimas deste bear market ainda não foram atingidas. No entanto, o consenso de mercado também é esse, e os investidores ainda parecem estar com posições vendidas ou com níveis de caixa bem elevados. Portanto, enquanto essa percepção vai mudando na direção mais benigna, a recuperação dos mercados pode continuar.
No Brasil, sempre a situação fiscal
Diferente da recuperação observada nos mercados globais, os ativos brasileiros continuaram relativamente sob pressão, com o Ibovespa voltando a negociar abaixo dos 100 mil pontos e as taxas de juros longas tendo alcançado o patamar de 13,5%a.a. Novamente, as preocupações fiscais e em relação à política de preços da Petrobras foram os principais fatores pesando nos mercados locais.
Continuamos com a visão de que a percepção dos investidores sobre a gravidade do descontrole fiscal é exagerada. Como argumentamos em cartas anteriores, os resultados fiscais têm vindo consistentemente melhores do que as expectativas. Mais do que isso, mesmo com os gastos extraordinários da pandemia, o governo atual está entregando uma elevação de superávit primário de incríveis 3,08% do PIB, bem maior que os 0,92% do PIB entregues pelo governo Temer, e em contraste com pioras de 0,57% do PIB no governo Lula e 5,09% no governo Dilma[8].
Mesmo assim, esses números não têm sido incorporados aos preços de mercado, que continuam sob pressão, apesar de alguma melhora na segunda metade de julho. Dessa forma, nossa visão de curto prazo para os mercados locais continua cautelosa. Em especial, no mercado de renda fixa, vivemos novamente a expectativa de que o Banco Central venha a encerrar o ciclo de alta da taxa Selic em 13,75%. No entanto, as surpresas inflacionárias e fiscais apontam novamente para o risco de que o aperto monetário seja estendido ainda mais. Enquanto o Banco Central efetivamente não tiver a coragem de encerrar o ciclo, é possível que o mercado continue bastante pressionado.
Equipe Persevera.
[1]“I've lived through enough bear markets that if you get aggressive on the short side, you can get your head ripped off in rallies.”, https://www.youtube.com/watch?v=-7sWLIybWnQ, acesso em 29/07/2022. [2] 1 ponto base ou basis point (bp) corresponde a 0,01 ponto percentual. [3] Federal Open Market Committee – o comitê de política monetária do Fed. [4] A taxa da treasury de 10 anos atingiu a máxima em 14/06/2022, a decisão do Fomc foi divulgada em 15/06/2022 e a mínima do S&P 500 foi em 16/06/2022. [5] https://www.wsj.com/articles/bad-inflation-reports-raise-odds-of-surprise-0-75-percentage-point-rate-rise-this-week-11655147927, acesso em 29/07/2022. [6] https://bfsi.economictimes.indiatimes.com/news/policy/powell-says-the-fed-could-hike-rates-by-0-75-percentage-point-again-in-july/92242561, acesso em 01/08/2022 [7] Marko Papic: Game Over For The Oil Bulls - https://open.spotify.com/episode/5rUwPCwr1h9JfzDaI1OQXm?si=JO1ct6TaR_Gpw11XwIBOLA, acesso em 29/07/2022. [8] Fonte: Fernando Montero, economista chefe da Tullett Prebon
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