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  • Nicolas Saad

Commodities em uma recessão global

"Nas commodities, quando os preços sobem, a demanda cai. Nas ações, quando o preço sobe, a demanda cresce."

Rakesh Jhunjhunwala[1]

Apesar da realização observada nos mercados neste ano, os preços de commodities permaneceram bastante fortes. Nos últimos meses, no entanto, nota-se alguma queda também nesses mercados, apesar das permanentes dificuldades relacionadas à oferta. Nesta carta, discutiremos a dinâmica de preços das matérias primas em meio a forças conflitantes: pressões estruturais e conjunturais de oferta vis-à-vis a possibilidade de uma recessão global.

Um “superciclo de commodities”? Durante o período mais agudo da pandemia de Covid-19, os preços de commodities caíram expressivamente, refletindo o colapso da demanda global. No entanto, com as medidas de estímulo econômico subsequentes, os mercados se recuperaram em alguns meses, voltando, ao final de 2020, para próximo aos patamares pré-pandemia. Nesse momento, no entanto, iniciou-se um segundo movimento de alta dos preços. No início de 2021, com a vacinação, houve a reabertura dos setores de serviços, mas os estímulos dados ao longo de 2020 eram apenas gradualmente retirados. Além disso, o colapso nos investimentos em capacidade produtiva dos anos anteriores começava a ser sentido, levando alguns analistas a antecipar um novo “superciclo” de elevação de preços, como aquele ocorrido entre 1998 e 2008, quando o índice CRB de commodities se elevou em nada menos que 100%.

De fato, a combinação de enormes estímulos, reabertura econômica e limitações de oferta manteve os preços das matérias primas em elevação desde então, o que contribuiu para a prolongada e intensa alta das taxas de inflação. A eclosão da guerra na Ucrânia, com as subsequentes sanções aplicadas à Rússia, tornou esse desequilíbrio ainda mais desafiador, levando o preço de diversas commodities às máximas e até a previsões de uma crise alimentar. Desde então, no entanto, os preços dessas mercadorias finalmente começaram a se estabilizar e, em muitos casos, até apresentar quedas expressivas, mesmo sem ter havido mudanças relevantes em termos da oferta.

Oferta ou demanda? Pela natureza dos mercados de commodities, nos quais o pilar da demanda é mais previsível, é razoável que grande parte das análises se concentre na oferta. A produção de matérias primas é muito mais sujeita a rupturas no curto prazo, o que foi observado no período recente com pandemia, eventos climáticos, guerra etc.

A novidade, desde o último trimestre de 2021 é que os bancos centrais globais, liderados pelo Fed, iniciaram uma importante contração das condições financeiras, voltada a desacelerar a demanda e trazer a inflação de volta para a meta. Vale lembrar que essa contração também está sendo auxiliada, ainda que tardiamente, por um aperto do lado fiscal. Nos EUA, a contração fiscal que já ocorreu no primeiro semestre de 2022 representou 6,7% do PIB, revertendo todo o impulso fiscal de mais de 12% do PIB dado entre a eclosão da pandemia e janeiro/2021.

Nesse contexto, os preços dos ativos financeiros mostraram forte realização desde o início do ano, mesmo com o rally dos últimos meses. As commodities, no entanto, permaneceram demandadas por bem mais tempo, com o CRB marcando a máxima do ano somente em maio. É normal que um processo de desaceleração de demanda demore mais a chegar aos setores primários, ainda mais com os diversos problemas de oferta que continuaram a ser observados neste ano, notadamente o conflito militar na Ucrânia. No entanto, tanto a queda de demanda quanto a normalização das cadeias industriais parecem finalmente ter se iniciado, com o índice de pressão nas cadeias de suprimento globais do Fed de Nova Iorque indicando alívio e voltando a patamares do primeiro semestre de 2021.

Soma-se a esse cenário a situação econômica mais difícil na China. Desde meados de 2021, o setor de construção civil no país asiático vem desacelerando fortemente. Num primeiro momento, o modelo de negócios foi atingido pelas restrições de endividamento impostas pelo governo chinês. As incorporadoras no país são muito dependentes de capital de terceiros em suas operações e foram muito impactadas por essas restrições. Como consequência, os problemas de atrasos em projetos se agravaram, levando compradores a interromperem pagamentos e realimentando as dificuldades das incorporadoras. Com isso, o setor de construção na China vem desacelerando, com queda em preços, vendas e entregas. Por algumas estimativas, os setores ligados à construção representam algo como 30% do PIB chinês, além de serem intensivos no consumo de diversas commodities.

Com toda essa configuração, as commodities ligadas à construção civil, como o aço/minério de ferro e o cobre, mostraram quedas relevantes.

Perspectivas de médio prazo Com essa combinação de fatores, portanto, é possível que os preços dos insumos primários continuem negativamente pressionados em um horizonte mais imediato. No entanto, há razões estruturais para se acreditar em uma recuperação dos preços quando analisamos um período mais longo.

Em primeiro lugar, é um fato que diversos setores passaram por um período de baixos investimentos, seja por conta da situação conjuntural durante a pandemia de Covid, seja por restrições mais estruturais a combustíveis fósseis, com o crescimento de exigências ASG – ambientais, sociais e de governança – pelos investidores.

Além disso, a própria transição para uma matriz energética mais limpa traz consigo um aumento de demanda por materiais ligados a essa transição. Como exemplo, vale destacar a situação no mercado de lítio – metal altamente demandado para produção de baterias para veículos elétricos. Com o crescimento da demanda por esses veículos, a produção de lítio não tem conseguido suprir a demanda, o que levou a um aumento de mais de 10 vezes no preço do material.

É evidente que essa quase absurda elevação de preços viabiliza e incentiva a oferta, que eventualmente trará de volta algum equilíbrio para o mercado, mas esse rebalanceamento naturalmente leva tempo, e não é esperado até antes de 2023 ou 2024.

Em outras palavras, o cenário estrutural para commodities continua a ser de preços relativamente altos, mas é muito difícil esse mercado passar ileso por uma recessão sincronizada em diversos países. Por exemplo, no caso do petróleo, achamos bem possível que os preços do barril voltem para a faixa de US$70 a US$90, bem mais baixos do que os US$100-US$120 observados na primeira metade do ano, mas ainda assim bem acima da média dos últimos 20 anos (US$65 por barril).

Impactos para o Brasil As oscilações de preço das matérias primas sempre trazem efeitos contraditórios para a economia local. Por um lado, o país é grande produtor de minério de ferro, soja, petróleo e até mesmo de commodities relacionadas à cadeia de veículos elétricos, como o lítio. Nesse aspecto, a elevação de preços por que passamos foi muito positiva para os termos de troca do país, o que justifica um resultado comercial projetado[2] em US$68 bilhões em 2022, caindo apenas para US$60 bilhões em 2023.

Por outro lado, como todas as economias no mundo, o Brasil sofreu os efeitos inflacionários dessa explosão de preços, combinada ainda com uma desvalorização relativa do Real que só se reverteu no início deste ano. Esse foi um dos fatores primordiais que levou o Banco Central a elevar a taxa Selic em quase 12 pontos percentuais desde março de 2021.

Dessa forma, o alívio nos preços das commodities ajudará no trabalho Banco Central de trazer a inflação de volta para a meta. Nesse sentido, acreditamos que as perspectivas para o mercado de juros parecem estar começando a melhorar. Finalmente a inflação mostrou sinais de queda, ainda que ajudada pelos cortes de impostos sobre preços administrados. No entanto, a composição da inflação também começa a mostrar sinais mais positivos, com reduções em componentes mais ligados à inércia. Além disso, vale sempre lembrar que o nível de taxa de juros implícito no mercado é extremamente contracionista quando comparado à queda de inflação esperada para os próximos anos.

O Banco Central brasileiro foi o primeiro a implementar um intenso aperto monetário, mesmo em um momento em que isso representava lutar sozinho contra um choque de oferta e demanda globais. Agora que finalmente os preços de insumos básicos e as cadeias de suprimentos passam a contribuir para a queda de inflação, é possível que se abra muito mais espaço para corte de juros do que é atualmente esperado pelo mercado.


Equipe Persevera.


Carta Persevera 2022-08
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[1]“In commodities, when prices go up, demand goes down. In stocks, when prices go up, demand goes up.”, https://www.brainyquote.com/quotes/rakesh_jhunjhunwala_1154724, acesso em 01/09/2022. [2] Fonte: BCB (Focus de 26/08/2022)

 

(11) 4780-3794



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