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A blindagem fiscal do Brasil

“Os prisioneiros somos nós que enxergamos e acreditamos apenas em imagens criadas pela cultura, conceitos e informações que recebemos durante a vida.” Platão¹


Há tempos, temos argumentado que a situação fiscal do governo brasileiro é muito mais blindada a choques do que é comumente reconhecido por analistas e investidores. Antes mesmo da aprovação da reforma da previdência, em nossa carta de dezembro/18, escrevemos:


“[...] acreditamos que essa blindagem cíclica deve trazer um ou mais anos de estabilidade econômica ao Brasil mesmo que haja dificuldades e atraso na aprovação das reformas, e mesmo num ambiente internacional mais desafiador.”

De fato, a combinação de um ambiente global mais favorável, aprovação da reforma da previdência e, principalmente, de juros baixos por um período de quase dois anos, levou a uma surpreendente redução da expectativa para o crescimento da dívida pública no período pré pandemia. Nas palavras do ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida:


“Em um momento de melhora dos indicadores fiscais e, em especial, uma queda tão forte e rápida da taxa de juros, a dívida com um prazo médio muito curto, o que é uma fragilidade da dívida pública brasileira, acaba jogando a nosso favor”²

Foi nessa circunstância bem mais favorável para a sustentabilidade da dívida pública que o Brasil foi atingido, como todos os países do mundo, pela pandemia de covid-19. Ao mesmo tempo que esse choque exigiu o corte da taxa Selic para a mínima histórica de 2%a.a., adicionou 20 pontos percentuais do PIB à projeção para a dúvida bruta do governo geral ao fim de 2020 do Tesouro Nacional, e 11,5 pontos percentuais à projeção de dívida líquida.


Evidentemente, os temores do mercado financeiro em relação à sustentabilidade da dívida pública, que já eram relevantes com uma dívida bruta de 77,9% do PIB, ficaram muito mais prementes com a dívida em 98,2% do PIB[1]. Nesta carta, vamos argumentar que, apesar da indiscutível deterioração do resultado primário ocorrida como consequência do combate às repercussões econômicas da pandemia, a trajetória fiscal do Brasil ainda é


“Prescrição Futura”


Inevitavelmente, nossa análise da trajetória para a dívida pública precisa ser precedida por uma discussão da política monetária. E como é de conhecimento de quem já nos acompanha há algum tempo, acreditamos que os níveis baixos para as taxas de juros no Brasil vieram para ficar. Neste ano, já defendíamos a necessidade de afrouxamentos monetários adicionais antes mesmo da crise deflagrada pelo novo coronavírus. Após a crise, passamos a defender que o Banco Central precisaria promover cortes agressivos na Selic, de forma a impedir a economia de entrar em um processo desinflacionário crônico. Isso ocorreu em grande parte, embora o Banco Central tenha sinalizado que não pretende reduzir a taxa Selic para mais próximo de zero, como acreditamos que o regime de metas de inflação demanda.


Na sua comunicação após a reunião de agosto, a autoridade monetária sinalizou que não planeja voltar a elevar a Selic enquanto as projeções de inflação até 2022 não se aproximarem das metas. Esse forward guidance, a que o Banco Central chamou de “prescrição futura”, foi condicionado à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo. Acreditamos que essa sinalização é correta e muito relevante, sendo talvez até mais importante que cortes adicionais na taxa de curto prazo. Como mencionamos em cartas anteriores, foi a sinalização forte e comprometida dos Bancos Centrais dos países desenvolvidos em manter a política monetária estimulativa até que a atividade econômica fosse retomada que tirou o mundo da espiral desinflacionária para a qual caminhava. Mais do que isso, e muito importante para a discussão desta carta, os níveis excepcionalmente baixos das taxas de juros compraram um tempo precioso para muitos países desenvolvidos com situação fiscal tão ou até mais desafiadora do que o Brasil, e que, ao contrário daqui, não avançaram em nada na direção das reformas estruturais.


Por outro lado, o Banco Central também vinculou a prescrição futura à manutenção do atual regime fiscal, e vem, recentemente, sinalizando que é apenas um “passageiro” no processo, sendo que o regime fiscal é o “piloto”. Como foi visto pela experiência de todos os países após a crise financeira da década passada, o papel dos Bancos Centrais é, na verdade, o de protagonista, mantendo a política monetária estimulativa como forma de escapar do processo desinflacionário e trazendo o efeito secundário extremamente bem vindo de dar um enorme fôlego para a política fiscal, permitindo a rolagem da dívida a taxas extremamente reduzidas.


Acreditamos que, ao fim e ao cabo, o processo desinflacionário exigirá que o Banco Central mantenha a taxa de juros em patamares baixos por muito tempo, algo como 2 ou 3 anos. Os ruídos fiscais, com a natural pressão política por gastos sociais num país ainda muito pobre continuará conosco, mas acreditamos que, mantido o compromisso com o teto de gastos, remanejamentos fiscais para atenuar o sofrimento causado pela pandemia de covid-19 não deverão comprometer a trajetória da dívida pública nos próximos anos, como veremos.


A força estabilizadora dos juros baixos


Como mencionamos, o imenso estímulo fiscal que teve que ser dado para mitigar as consequências econômicas da pandemia causou um forte aumento das projeções para a relação dívida/PIB do governo brasileiro. De fato, de acordo com o relatório de projeções da dívida pública do segundo quadrimestre de 20204, a dívida líquida do setor público atingirá o pico somente em 2027 no patamar de 87% do PIB, contra uma projeção anterior de 67% em 20255. Não há como negar a magnitude da deterioração provocada pelo déficit de 2020, porém, acreditamos que essas projeções não se mostrarão corretas exatamente pela nossa visão diferente para os juros nos próximos anos. Pequenas alterações no cenário para a trajetória da Selic trazem enorme mudança na trajetória da dívida. Sendo assim, tomamos como base a trajetória de juros utilizada pela Secretaria do Tesouro Nacional no relatório citado e analisamos três cenários alternativos, que consideramos muito mais prováveis tendo em vista o processo desinflacionário pelo qual passa o país. Acreditamos que a taxa Selic deverá permanecer no patamar atual pelo menos até 2022, sendo elevada lentamente nos anos seguintes. No Cenário 1, a elevação é mais gradativa, mas chega aos mesmos 6% a.a. utilizados pela STN. Nos Cenários 2 e 3, a elevação se dá em velocidades diferentes, mas a taxa final é de 5%a.a., o que achamos hoje muito mais plausível para uma meta de inflação que provavelmente convergirá para 3%a.a. O gráfico a seguir apresenta esses cenários.



Em cada um dos cenários, reestimamos a despesa com juros6, levando às seguintes trajetórias para a dívida pública:



Como se observa pelo gráfico anterior, a trajetória da dívida é extremamente sensível à projeção de juros. Mais do que isso, no Cenário 3, que consideramos o mais plausível, no fim da próxima década a dívida líquida estará muito próxima da projeção anterior à pandemia, apenas como resultado da diferente trajetória para a taxa de juros.


De fato, mesmo com todo o aumento observado na dívida pública nos últimos meses, a despesa total com juros continua a cair de forma expressiva, tendo voltado aos patamares vigentes em meados de 2014. Isso significa que, apesar de toda a deterioração fiscal, o mesmo superávit primário que estabilizaria a dívida pública em 2014 também o faz hoje, se os juros, conforme esperamos, permanecerem baixos por muito tempo.


A Rolagem da Dívida Pública


Naturalmente, não basta a nossa análise de que a taxa Selic vai permanecer baixa por muito tempo para convencer os investidores da sustentabilidade na trajetória da dívida pública. O mercado vai precisar “ver para crer”. Como argumentamos em nossa carta “O brasileiro no divã”, o investidor brasileiro ainda é traumatizado pelos fantasmas do nosso passado, e a taxa de juros longa reflete esses temores, não só em seu nível como em fortes oscilações a qualquer sinal de que haverá aumento de despesas primárias.


Nós da Persevera acreditamos que, pelos motivos citados acima, a situação fiscal do país é muito mais blindada do que implicam os prêmios demandados nos vértices mais longos da curva de juros. Nesse sentido, acreditamos que, do ponto de vista da administração da dívida pública, está correta a estratégia de encurtamento do prazo médio. O prazo mais curto de rolagem permitirá que a queda dos juros se transmita muito mais rapidamente para o custo da dívida pública, além de evitar uma desnecessária incorporação do prêmio de risco a esse custo.


Claro que essa estratégia carrega riscos, especialmente se houver uma elevação da taxa Selic causada apenas pelo receio da deterioração fiscal. Consideramos que seria um gravíssimo erro de política monetária elevar a taxa Selic sem que houvesse uma elevação da taxa de inflação, que como indicamos, está completamente fora do horizonte. Nesse sentido, voltamos a destacar que o Banco Central é o piloto, e como tal deveria liderar o processo de expectativas para a taxa Selic ao invés de delegá-lo ao mercado. Assim como na questão da prescrição futura, acreditamos que o Banco Central será convencido pelos fatos e não cometerá tal temeridade na condução da política monetária, mantendo a taxa Selic constante ou até mesmo a reduzindo ainda mais em resposta à contínua queda nos núcleos de inflação.


Expansão fiscal em momentos de recessão


Sem dúvida, o aumento da dívida pública brasileira causado pelo combate à pandemia é bastante preocupante, mas, como vimos anteriormente, num ambiente de juros baixos por muitos anos, é um problema temporário que será contornado. Resta uma outra preocupação constante dos investidores brasileiros: essa enorme expansão dos gastos públicos não causará aumento da taxa de inflação? Aqui, temos ainda mais convicção em afirmar que não. Como visto desde a Crise Financeira Global, expansões monetárias, mas também fiscais, não elevam as taxas de inflação, e nem mesmo as expectativas de inflação, quando a economia está distante da plena utilização dos recursos – o chamado “pleno emprego”. É por isso que economias como o Japão, ou mesmo Zona do Euro e EUA conseguem conviver com enormes déficits fiscais e dívidas públicas ao mesmo tempo que lutam com o processo de desinflação.


Para concluir, não vemos a trajetória da dívida pública brasileira com tanta preocupação apesar do enorme déficit que será observado em 2020 e de eventuais gastos adicionais, desde que limitados pela âncora do teto de gastos e sob a égide do ministro Paulo Guedes. No entanto, como mostrado pelo Fed de Ben Bernanke e o ECB de Mario Draghi acreditamos que o Banco Central assumirá o papel de piloto das expectativas futuras para a taxa de juros de forma a combater a desinflação. Acreditamos que o problema fiscal que se vislumbra não passará de mais um fantasma brasileiro.


Carta Persevera_2020_08
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