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  • Nicolas Saad

Herança bendita

“Infelizmente, o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades."

Roberto Campos[1]

Nesta carta, revisitamos o cenário econômico para o Brasil em vista da melhora recente nos mercados de juros globais e da mudança de administração. Defendemos desde o início de 2021 que a situação fiscal do Brasil é bem menos frágil do que por muito tempo foi o consenso entre analistas e investidores. Além disso, o país está adiantado no processo de aperto monetário, com as taxas de inflação começando a mostrar arrefecimento.

Por esses fatores, junto a valuations que já refletem amplamente os desafios e riscos do cenário, argumentamos que seria justificado um “otimismo cauteloso” com os ativos brasileiros, desde que as políticas econômicas do novo governo mantivessem um grau mínimo de responsabilidade fiscal. No entanto, os primeiros sinais foram bastante negativos, e a incerteza em torno desse cenário permanecerá elevada enquanto não houver definições mais claras sobre a política econômica a partir de 2023.

Uma trégua da inflação A última divulgação do índice de preços ao consumidor americano – o CPI[2] - trouxe surpresas positivas relevantes pela primeira vez em alguns trimestres. Especificamente, o núcleo do índice surpreendeu para baixo e com uma abertura que pode indicar a continuidade do movimento de desinflação para os próximos meses.

Além disso, mesmo com os preços de commodities em patamar elevado, a queda de preços observada desde abril traz um alívio para os índices cheios de inflação. De fato, a inflação dos preços de commodities, que chegou a superar 100% em 12 meses, arrefeceu bastante e agora oscila próximo a zero.

Esse indicador se juntou à sinalização do Fed – banco central americano – de que deve desacelerar o ritmo de altas da taxa básica na sua reunião de dezembro, causando uma melhora generalizada nos mercados, com taxas das treasuries caindo, dólar se enfraquecendo e bolsas continuando um processo de recuperação. A alta nos mercados se deu apesar da mensagem mais hawkish transmitida por Jerome Powell na coletiva de imprensa após a última reunião do FOMC[3], quando ressaltou que a desaceleração do ritmo de aperto não implicava leniência do banco central e nem proximidade ao fim do ciclo de altas.

No entanto, é inegável que, após um longo período de surpresas negativas, com restrições de oferta devido aos lockdowns, excesso de estímulos fiscais e monetários e rupturas causadas pela guerra na Europa, um núcleo de inflação na casa de 0,3% ao mês foi muito bem recebido mesmo com o discurso ainda duro do Fed.

O fim do sell-off? Para os mercados de ações, um alívio da política monetária e das taxas de juros de longo prazo também é muito bem-vindo. Até este ponto do ciclo, os preços das ações vieram sofrendo com a reação dos bancos centrais às altas taxas de inflação e a consequente elevação das taxas de juros de longo prazo. No entanto, este ainda não é o momento do ciclo mais favorável aos investimentos em ações, à medida que a desaceleração econômica apenas começa a ser sentida nos resultados das empresas.

Historicamente, momentos de desinflação combinada com desaceleração da atividade econômica são negativos para ações, commodities e para as moedas em relação ao dólar, e positivos para os títulos do tesouro americano. Naturalmente, como neste ciclo já houve uma importante correção dos preços das ações, resta saber quão profunda será a desaceleração econômica e quanto isso ainda repercutirá nos resultados.

Acreditamos que o pior momento do mercado de ações ainda não ficou para trás, dada a magnitude da contração monetária e seus efeitos defasados. Em especial, como destacamos em nossa carta de julho, a desinclinação da curva de juros americana aponta para uma recessão nos próximos semestres. Historicamente, o mercado de ações atinge os menores níveis de valuation entre um e dois anos após a desinclinação máxima da curva.

O Brasil na contramão? Até os primeiros dias após o pleito presidencial, os ativos brasileiros vinham se alinhando a um cenário positivo. Com a dívida bruta de volta a patamares pré-pandemia (cerca de 75% do PIB), e com o processo de aperto monetário provavelmente concluído, o Real vinha sendo a moeda de destaque no ano, e as taxas de juros iniciavam um processo de queda.

Esse movimento se inverteu com as discussões da chamada PEC de Transição, na qual a nova administração busca retirar algo ao redor de R$200 bilhões anuais do limite do teto de gastos pelo próximo mandato presidencial. Os investidores já esperavam que haveria alguma medida de ajuste do teto de gastos para viabilizar a manutenção do Auxílio Brasil em R$600 ao longo de 2023, mas a informação de retirada permanente do programa social do limite foi bastante negativa. Aliado a isso, as especulações a respeito dos nomes para a equipe econômica do novo governo têm deixado os ativos brasileiros bastante voláteis.

É natural que o novo governo venha a ajustar as prioridades e alocações do orçamento público. Dadas as boas condições fiscais iniciais – dívida bruta de volta ao patamar de 2019, superávit primário de cerca de 1% do PIB e receitas em forte e constante recuperação – é totalmente plausível que a nova administração implemente suas políticas sem causar desarranjos macroeconômicos. Para isso, no entanto, é necessária uma equipe econômica competente e com credibilidade e algum arcabouço fiscal que permita a estabilidade do endividamento público no longo prazo.

Se essas condições forem satisfeitas, é possível que a melhora nos ativos brasileiros seja retomada. Em nossa visão, os níveis atualmente implícitos na curva de juros nominais são altos o suficiente para permitir ganhos por muitos anos, da mesma forma que nos anos 2015-2019, quando as posições aplicadas em juros superaram a rentabilidade da Selic em qualquer janela e por qualquer horizonte de investimento.

O aperto de política monetária já implementado tem começado a ser sentido na economia. A performance relativa do Real até a eleição, o corte de impostos sobre bens essenciais e a queda nos preços de commodities desde abril já haviam provocado uma queda nas taxas de inflação. Somam-se a isso os efeitos defasados do aperto monetário, que começam agora a ser sentidos de forma mais clara na atividade econômica, como mostram os dados mais recentes de criação de empregos formais.

Dessa forma, o cenário provável para o ano que vem é que a queda da inflação torne possível uma melhora consistente dos ativos de renda fixa, com consequências positivas também para a renda variável. Para isso, a ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo, que prevaleceu desde o governo Temer, precisa continuar valendo.


Em um cenário em que a taxa de câmbio se deprecie constantemente por conta das preocupações fiscais, as expectativas de inflação se desancorariam e forçariam o Banco Central a aumentar ainda mais as taxas de juros. Isso retroalimentaria os receios de estabilidade fiscal, colocando mais pressão sobre o câmbio e rompendo o círculo virtuoso que descrevemos – o que justifica a postura cautelosa frente à visão otimista que citamos. Em conclusão, a definição da âncora fiscal do próximo governo se mostra essencial para definir a trajetória dos preços dos ativos brasileiros.


Equipe Persevera.


Carta Persevera 2022-11
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[1] https://www.pensador.com/frase/MjE1NTQzMw/, acesso em 06/12/2022. [2] Consumer price index [3] Federal Open Market Committee – Comitê de política monetária do Fed.


 

(11) 4780-3794



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