“O brasileiro gosta muito de ignorar as próprias virtudes e exaltar as próprias deficiências, numa inversão do chamado ufanismo.”
Nesta carta, iremos repassar as estratégias e resultados do Persevera Compass FIC no primeiro semestre de 2022. A análise apresentada também se refere ao Compounder – nosso veículo previdenciário.
O ano de 2022 vem sendo marcado por uma deterioração dos mercados globais, que se acelerou no segundo trimestre. No mercado de ações o S&P 500 apresentou a expressiva queda de 21% e os títulos de renda fixa também se depreciaram, com o índice das treasuries de 10 anos caindo cerca de 12%[2] e o de títulos corporativos caindo 14%[3].
A contínua pressão inflacionária iniciada com a pandemia e agravada pela guerra na Ucrânia vem levando os bancos centrais globais a implementarem o maior aperto monetário desde a década de 1980. Essa restrição coordenada de liquidez deve continuar pressionando os preços dos ativos financeiros, até vermos uma queda mais pronunciada das taxas de inflação. Os ativos brasileiros, que haviam sido destaque positivo no primeiro trimestre, voltaram a sofrer com a combinação entre esse cenário global adverso e a volta das preocupações fiscais deflagradas pela PEC dos Benefícios Sociais.
Resultados no primeiro semestre
Com o cenário inflacionário desafiador, que se agravou com a eclosão da guerra na Europa, mantivemos posições compradas em commodities ao longo do primeiro semestre, especialmente nos segmentos de energia (petróleo) e metais (cobre e ouro). Essas posições foram os maiores contribuidores no ano, adicionando 55 bps[4]. As posições long/short agregaram outros 28 bps, as posições em moedas globais adicionaram 26 bps, enquanto os juros reais contribuíram com 18 bps. Apesar dos resultados positivos no primeiro trimestre, as posições em real contra o Dólar foram prejudicadas nos últimos meses pela depreciação da moeda brasileira, o que trouxe o resultado agregado de moedas no ano para próximo de zero.
O principal detrator no ano foram as posições aplicadas em juros locais, que subtraíram 345 bps. As posições em renda variável local e global detraíram 228 bps, enquanto as exposições em juros globais retiraram 82 bps.
O pior semestre nos mercados desde 1990
Como temos argumentado em nossas cartas mais recentes, o cenário global tem se tornado mais desafiador para os ativos de risco. Durante o longo período entre 1980 e 2021, quando a economia global sofreu efeito de forças desinflacionárias estruturais, os bancos centrais eram capazes de reagir com estímulos monetários quando a atividade econômica se desacelerava. A importante consequência para os ativos financeiros foi que os mercados de renda fixa e renda variável ofereciam importante diversificação – quando as ações caíam, os títulos do governo americano se apreciavam antecipando a redução dos juros pelo Fed - Banco Central americano. Por outro lado, em momentos de crescimento econômico, as ações se apreciavam, mas a queda nos preços dos títulos de renda fixa era limitada por um ambiente de baixa inflação.
Essa dinâmica se reverteu após a crise deflagrada pela pandemia. A desorganização das cadeias produtivas com os lockdowns restringiu a oferta de bens ao mesmo tempo em que os estímulos fiscais e monetários incentivaram a demanda, provocando uma forte alta nas taxas de inflação. Com a reabertura das economias, essa pressão se estendeu para os setores de serviços, que também vêm sofrendo com a redução da oferta de mão de obra, talvez uma sequela permanente da covid-19. A esse cenário complexo, somou-se a invasão da Ucrânia pela Rússia, que impôs novas restrições às cadeias de commodities, tanto pelo lado das dificuldades de escoamento da produção ucraniana de grãos quanto pelas sanções aplicadas à Rússia, um dos maiores produtores globais de grãos, metais e energia.
Nesse cenário, os Bancos Centrais tiveram que redirecionar seus esforços integralmente para a estabilidade de preços, o que nos trouxe à situação atual de um aperto monetário global coordenado. Esse novo ambiente quebrou a correlação negativa entre renda fixa e renda variável, principalmente após a mudança de postura do Fed. No fim de novembro de 2021, Jerome Powell indicou que poderia iniciar um processo de elevação de juros, ao se comprometer diante do Congresso a “usar nossas ferramentas para garantir que a inflação não se torne permanente”[4]. Isso desencadeou uma queda de 20% no preço das ações no primeiro semestre, a segunda maior desde 1990, sendo superada apenas pelo segundo semestre de 2008, o auge da Crise Financeira Global.
Desta vez, no entanto, os títulos de renda fixa tiveram desempenho inverso do que em 2008, com o título de 10 anos se desvalorizando 11,5%, a maior queda semestral desde 1990. Perspectivas e posições atuais
Enquanto as taxas de inflação permanecerem elevadas, os Bancos Centrais continuarão apertando as condições de liquidez, prejudicando os retornos dos ativos. Nesse sentido, o retorno dos índices para patamares mais compatíveis com as metas é imprescindível para uma melhora expressiva nos mercados. Como a inflação nos EUA ainda está muito distante do objetivo de 2%a.a., os mercados globais devem continuar pressionados por algum tempo, o que justifica uma postura ainda cautelosa nos investimentos.
Pensando em horizontes mais longos, acreditamos que a disposição e capacidade do Fed em reduzir as taxas de inflação se mostrarão bem-sucedidas. Além disso, a normalização das cadeias produtivas em relação à pandemia deverá continuar a acontecer gradativamente, enquanto a demanda deverá ser reduzida pela retirada de estímulos fiscais e monetários. Restará ainda assim a incerteza em relação à continuidade da guerra na Europa e das sanções à Rússia. Quanto mais prolongadas forem as sanções, maior será a desaceleração econômica necessária para reduzir a inflação, e mais profundas poderão ser as perdas dos ativos financeiros. Acreditamos, no entanto, que, em algum momento deste ano, os mercados vão passar a antecipar que a atuação do Fed será suficiente para conter a elevação dos preços, o que tornará a perspectiva para a renda fixa mais favorável do que tem sido até agora. Um desenvolvimento encorajador nesse sentido é que as taxas de inflação implícitas nos EUA, embora distantes dos 2%, começam a demonstrar quedas mais relevantes no último trimestre.
O eterno fantasma fiscal no Brasil Do ponto de vista da política monetária, o Banco Central do Brasil iniciou o processo de alta de juros antes e de forma mais intensa que as demais autoridades monetárias. No entanto, como a origem do processo inflacionário é global, as taxas de inflação não mostraram nenhum arrefecimento, levando a autoridade monetária a intensificar e estender seguidas vezes o ciclo de alta da taxa Selic. Estamos próximos ao encerramento deste processo, com uma elevação de mais de 11 pontos percentuais na taxa nominal, que trouxe o diferencial de juros reais para o maior patamar em uma década.
Acreditamos que um diferencial de juros reais na casa de 9,5%a.a. é significativo o suficiente para proteger a moeda brasileira e a rentabilidade dos ativos de renda fixa local mesmo num ambiente global mais desafiador. De fato, a moeda brasileira apresentou um bom comportamento relativamente a outros emergentes no ano de 2022.
No entanto, no mês de junho, o fantasma do descontrole fiscal voltou a assolar os ativos brasileiros, em especial as taxas de juros pré-fixadas e o Real, que devolveu parte dos ganhos relativos no ano. Desta vez, os vilões são a Lei Complementar no 179, que limitou a alíquota de ICMS sobre combustíveis e a PEC dos Benefícios Sociais, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados.
Sem dúvida, a sinalização de resultados fiscais menores às vésperas da eleição é negativa do ponto de vista do comprometimento do setor público com a sustentabilidade fiscal. No entanto, novamente vale colocar a magnitude das renúncias de arrecadação e gastos adicionais em perspectiva com a melhora fiscal já observada desde o pior momento da pandemia.
O superávit fiscal em 12 meses continua próximo a 1,5% do PIB, números que não eram registrados desde 2012. A PEC dos Benefícios Sociais deverá trazer um impacto de cerca de R$40 bilhões nos próximos 6 meses. Isso representa 0,5% do PIB, ou seja, apenas 1/3 do superávit fiscal atual e menos de 20% da melhora observada no resultado primário desde dezembro de 2018. Assim, apesar da sinalização negativa, continuamos a entender que o Teto de Gastos é uma restrição efetiva para a despesa pública no Brasil, e que a trajetória da dívida está relativamente blindada a esse tipo de medida temporária.
Além dessa visão mais benigna para a situação fiscal do Brasil e do enorme aperto monetário implementado pelo BCB, a política monetária mais restritiva do Fed deverá ajudar no processo de convergência da inflação no Brasil. Por isso, embora ainda não tenhamos retomado posições importantes no mercado de juros locais, acreditamos estar próximo o momento em que a renda fixa local voltará a trazer retornos atrativos. Tanto no Brasil quanto nos EUA, a política monetária leva tempo para mostrar seus efeitos, causando a interpretação equivocada de que sempre é necessário aumentar mais e mais as taxas de juros. Quando as consequências econômicas desse aperto se fizerem sentir, os mercados de renda fixa voltarão a ficar atrativos e se tornarão novamente uma opção diversificadora para as posições em ativos de risco.
Equipe Persevera.
[1] “[…] the monetary climate - primarily the trend in interest rates and Federal Reserve policy - is the dominant factor in determining the stock market's major direction.”, https://www.brainyquote.com/quotes/martin_zweig_763400, acesso em 26/05/2022.
[2] S&P U.S. Treasury Bond Current 10-Year Total Return Index; Fonte: Bloomberg [3] Bloomberg US Corporate Total Return Value Unhedged USD; Fonte: Bloomberg
[4] 1 bp, “basis point” ou ponto base corresponde a 0,01%
[5] “use our tools to make sure that higher inflation does not become entrenched”, https://nypost.com/2021/11/30/jerome-powell-its-time-to-retire-term-transitory-inflation/, acesso em 04/07/2022.
(11) 4780-3794
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