Uma recessão orquestrada?
- Persevera Asset Management
- 11 de mar.
- 10 min de leitura
“O mercado e a economia se tornaram dependentes, e nós nos viciamos nesse gasto governamental””
Scott Bessent

Sumário executivo
Mercado Global
Nos EUA, a implementação de tarifas e cortes de gastos dentro do contexto de desaceleração econômica levantam a hipótese de uma estratégia deliberada de reinicialização econômica por parte do governo Trump
A China responde às pressões comerciais redirecionando sua economia para fortalecer o consumo interno e acelerar o desenvolvimento em tecnologias estratégicas como IA e computação avançada, criando oportunidades em empresas do setor
Mercado Local
A queda histórica na popularidade do presidente Lula, impulsionada pela inflação nos alimentos, gera incertezas políticas que pressionam ativos brasileiros, embora a estrutura do Congresso limite a aprovação de medidas populistas significativas
O paradoxo brasileiro atual está na divergência entre fundamentos econômicos mais sólidos que o percebido (déficit controlado e crescimento de 3% nos últimos anos) e a comunicação inconsistente do governo
Nossas Visões e Posições
Continuamos preferindo posições em títulos prefixados, títulos de inflação e exposição significativa à bolsa local. Apesar da depreciação recente do Real, seguimos vendidos em dólar até identificarmos uma nova tendência clara nos preços
Internacionalmente, mantemos postura defensiva em relação a ativos americanos, preferindo exposição à tecnologia chinesa e ao ouro como proteção, enquanto preservamos posição vendida em NVIDIA
Estados Unidos: Uma pequena turbulência
A era das tarifas chegou para ficar. Após ter adiado a implementação de diversas tarifas em países historicamente parceiros, fevereiro foi marcado pela concretização de diversas dessas medidas, a exemplo de 20% de tarifas sobre importações chinesas. Nas palavras de Trump, essas medidas buscam “tornar os EUA ricos e grandes novamente”, embora ele próprio reconheça a possibilidade de “pequenas turbulências” no início da jornada.
Estimar o real impacto dessas tarifas não é uma tarefa fácil. De um lado, alguns analistas defendem que o impacto inflacionário será compensado pela alta elasticidade da oferta, pelos efeitos de substituição e por um dólar mais forte. Do outro, analistas também alertam que esses custos serão majoritariamente absorvidos pelos consumidores americanos. No meio desse fogo cruzado, a realidade é que Trump tem demonstrado uma postura menos agressiva no uso de tarifas do que o mercado inicialmente temia até o momento – uma combinação de usar a ameaça como ferramenta de negociação com parceiros comerciais e a preocupação de agravar o já delicado quadro inflacionário.
Como resultado direto dessas políticas, este clima de incerteza política tem esfriado o ânimo de consumidores e empresas. Apesar do aumento na renda disponível, os gastos dos consumidores desaceleraram, com famílias optando por aumentar suas reservas financeiras diante de um cenário econômico ainda incerto. O setor empresarial segue a mesma tendência, com o investimento real do quarto trimestre contraindo mais de 3%. Além disso, indicadores de sentimento do consumidor caíram a níveis não vistos desde novembro de 2023.

Para além dessas incertezas de curto prazo, este cenário se desenrola num contexto onde a economia americana já começa a apresentar sinais de desaceleração. Um termômetro particularmente alarmante veio do Fed de Atlanta, cujas projeções para o PIB do primeiro trimestre de 2025 despencaram de um crescimento de 3,9% para uma contração de 2,4% em apenas um mês. Ao mesmo tempo, a atividade industrial americana também segue estagnada e com diversas indústrias alarmando para a alta nos custos de mão de obra e incertezas de como as tarifas vão impactar seus negócios.

Diante dessa convergência de fatores negativos, o cenário atual, combinado com o valuation esticado das ações americanas, tem alimentado um movimento de rotação de capital – saindo das ações americanas em direção ao resto do mundo, movimento que acreditamos ter ainda fôlego para continuar nos próximos meses.

Estados Unidos: Derrubando para reconstruir?
Embora Trump fale em “pequenas turbulências”, grande parte das suas declarações e medidas têm gerado forte reação negativa dos mercados. Considerando o atual sentimento do mercado e os recentes sinais de desaceleração econômica, essa aparente contradição nos leva a questionar: estaria o governo deliberadamente criando uma turbulência controlada como parte de um plano maior? Acreditamos que existem algumas razões pelas quais uma desaceleração controlada poderia ser não apenas aceitável, mas até mesmo desejável no curto prazo para a atual administração.
O timing político é um deles. Deixar de evitar uma recessão agora permitiria uma recuperação precisamente a tempo do ciclo eleitoral de 2028, possibilitando que o governo culpe a gestão Biden e leve o crédito pela retomada econômica durante as campanhas de reeleição.
Além disso, uma queda na atividade econômica justificaria cortar gastos e programas sociais enquanto simultaneamente implementa cortes de impostos. Durante uma recessão, estas medidas podem ser apresentadas como “austeridade necessária” em vez de parecerem contraditórias ou politicamente inviáveis.
Essa abordagem ainda traz um benefício estratégico adicional: uma desaceleração mais forte forçaria o Fed a retomar o ciclo de cortes de juros, estimulando ainda mais a economia e ajudando a narrativa econômica do governo. A dor temporária cria tanto uma oportunidade de bode expiatório quanto uma resposta potencial de política monetária que, em última análise, apoia a tese de crescimento de longo prazo.
Não podemos afirmar com certeza se essa desaceleração – ou potencial recessão – está sendo deliberadamente orquestrada. No entanto, ao implementar tarifas, restringir a imigração e perpetuar a incerteza, o governo parece estar conduzindo uma reinicialização forçada da economia.
Continuamos acreditando nos benefícios de longo prazo dessas medidas. No curto prazo, contudo, tememos que os ativos de risco americanos continuem reagindo negativamente a essas medidas de reinicialização econômica. Por essa razão, seguimos aplicados em Treasuries de 10 anos e preferimos não ter exposição direta a ações americanas. Mantemos, por outro lado, uma posição vendida em NVIDIA.
China: Consumo e tecnologia na mira do governo
Enquanto os EUA parecem recalibrar sua economia, a China está implementando uma clara mudança estratégica em sua política econômica, com maior prioridade ao estímulo do consumo doméstico sem abandonar seu compromisso com o desenvolvimento tecnológico. Recentemente, o Premier Li Qiang estabeleceu um “plano de ação especial” para impulsionar o consumo interno e atingir a meta de crescimento de 5% para 2025.
A iniciativa surge em um momento oportuno, considerando que o consumo doméstico chinês representa menos de 40% do PIB, ficando muito abaixo da média global, enquanto o investimento está consideravelmente acima.

Entre as principais ações anunciadas pelo governo chinês destacam-se: a expansão do programa de trade-in para estimular a compra de produtos domésticos de alto valor, a emissão de títulos especiais do tesouro no valor de 300 bilhões de yuans e o fortalecimento dos sistemas de saúde e assistência social, que ajudarão a criar uma rede de segurança para estimular o consumo.
Esta reorientação conecta-se diretamente à guerra comercial com os EUA mencionada anteriormente. Pequim incentiva os consumidores a comprarem produtos nacionais enquanto enfrenta o aumento das tarifas americanas, numa clara estratégia de fortalecimento do mercado interno como escudo contra pressões externas.
Apesar da priorização do consumo, a tecnologia permanece um foco importante. O governo chinês tem demonstrado forte apoio ao desenvolvimento da inteligência artificial, inclusive o fenômeno DeepSeek, e busca cultivar talentos em áreas estratégicas como IA, robótica, computação quântica e tecnologia 6G. Notavelmente, há uma evolução na abordagem governamental sobre autossuficiência tecnológica, com maior ênfase em liderar desenvolvimentos futuros em vez de apenas defender posições existentes.
Essa mudança estratégica para impulsionar o consumo, juntamente com a continuidade do investimento em tecnologia, reforça nossa visão positiva para as ações de tecnologia chinesas. O foco em inovação, especialmente em áreas como IA e computação avançada, sugere um futuro promissor para empresas do setor. Acreditamos que o equilíbrio entre estímulo ao consumo e investimento em tecnologia criará um ambiente favorável para o crescimento sustentável das empresas de tecnologia chinesas, justificando nossa exposição nesses ativos.
Brasil: A reprovação continua
Enquanto o mundo observa atentamente a implementação de tarifas nos EUA e os estímulos ao consumo na China, o mercado brasileiro foi impactado por um fator predominantemente local: a divulgação de uma série de pesquisas mostrando uma impressionante queda na popularidade do presidente Lula. Este declínio sem precedentes tem atingido inclusive regiões tradicionalmente favoráveis ao presidente, como os estados do Nordeste e o eleitorado feminino – algo que não ocorreu nem mesmo durante os piores momentos da crise do mensalão.
A inflação, especialmente nos alimentos, parece estar no centro dessa erosão de popularidade. Em um cenário de pressão inflacionária persistente, pesquisas recentes revelaram que 90% da população percebeu a alta dos preços dos alimentos, o que levou o presidente a aumentar drasticamente suas menções à inflação em pronunciamentos oficiais – de apenas 3 para 32 após a troca na Secretaria de Comunicação Social. Na tentativa de conter os danos políticos, o governo eliminou taxas de importação para nove itens essenciais, incluindo carne e café, e Lula afirmou publicamente que tomará “atitudes mais drásticas” se necessário.
O impacto político desse fenômeno vai além da figura presidencial, afetando significativamente o partido do governo. As eleições municipais de 2024 ilustraram esse distanciamento – mesmo com a caneta presidencial em mãos, o PT não conseguiu eleger 300 prefeitos e ficou ausente da disputa nas grandes capitais do Sudeste. Pesquisas recentes para eleições estaduais reforçam essa tendência, mostrando candidatos do partido em posições pouco competitivas, mesmo em redutos tradicionalmente favoráveis.

Caso essa situação política deteriore ainda mais, esperamos que o governo tente implementar estímulos econômicos variados, porém não acreditamos que o Congresso aprovará medidas substanciais, limitando o impacto de eventuais tentativas de populismo econômico antes das eleições.
Brasil: O paradoxo das expectativas
Em contraste com a turbulência política, o grande paradoxo brasileiro está no gerenciamento de expectativas fiscais, que se tornou o maior desafio para o atual governo. Após um primeiro ano marcado por gastos elevados, impulsionados pela aprovada “PEC da Gastança”, o governo conseguiu controlar o déficit no segundo ano, aproximando-se das metas projetadas. Apesar disso, a insistência do presidente Lula em discursos populistas, sempre defendendo o aumento contínuo de gastos públicos, fez com que ocorresse no Brasil uma forte desancoragem das expectativas fiscais. Temos aqui uma típica situação em que o governo consegue fazer o difícil, que é controlar os gastos, mas peca na parte mais fácil, que seria a comunicação.
Este descompasso entre a prática fiscal mais controlada e a retórica expansionista resultou em forte pressão sobre os ativos brasileiros, especialmente no segundo semestre do ano passado. No auge da crise de confiança, em dezembro, o dólar chegou a atingir 6,30 reais e as curvas de juros indicavam taxas futuras superiores a 16%.
Há bastante tempo, nossa visão tem sido de que existe uma dissonância muito forte entre expectativas fiscais deterioradas e a realidade dos dados econômicos. Apesar dos recentes indicadores apontando para alguma desaceleração da economia brasileira, acreditamos que o Brasil tem apresentado resultados muito mais positivos do que o mercado reconhece, com crescimento médio de 3% ao ano nos últimos quatro anos – número expressivo para os padrões brasileiros – e uma inflação relativamente controlada em torno de 4,5%. Mais importante ainda, o déficit fiscal brasileiro, após o primeiro ano de governo, tornou-se surpreendentemente inferior ao de outros mercados emergentes comparáveis, e nossa dívida pública, historicamente mais alta entre os emergentes, agora se encontra em níveis mais administráveis.

Em nossa avaliação, os preços extremamente descontados dos ativos brasileiros se devem mais à incapacidade de gerenciamento de expectativas do que à realidade econômica do país. Ainda que falte mais de um ano e meio para as eleições, tornando desafiador prever o momento exato em que ocorrerá uma mudança nessa percepção, nossa convicção permanece firme: quando algum evento catalisador provocar esse movimento de realinhamento entre percepção e realidade, a reprecificação dos ativos brasileiros poderá ser impressionantemente forte, particularmente em títulos prefixados e na bolsa.
Nossas visões e posições
Renda Fixa
Nos juros, projetamos uma nova alta de 100 bps na Selic em março, conforme sinalizado previamente pelo BC. Em nossa análise, os recentes indicadores econômicos, que apontam para uma desaceleração do crescimento, podem ser vistos como positivos e desejáveis sob a ótica da política monetária, pois reduzem a probabilidade de aumentos mais significativos nas próximas reuniões.
Por outro lado, essa desaceleração pode desencadear um efeito colateral: a adoção de medidas econômicas heterodoxas pelo governo. Nesse contexto, esperamos alguma movimentação do governo, mas não acreditamos que tais ações terão força suficiente para desestabilizar o país até as eleições. Caso a situação econômica piore, Lula pode tentar implementar estímulos variados, mas o Congresso dificilmente os aprovará. Vemos isso como um último esforço de populismo econômico, mas sem grande fôlego.
Posicionamento: Mantemos posições aplicadas em títulos públicos prefixados e uma exposição moderada a papéis atrelados à inflação.
Crédito Privado
Em relação à alocação em crédito privado, observamos uma posição técnica mais saudável em termos de preços e liquidez, o que nos levou a aumentar exposições, mantendo o viés conservador com foco em ativos bancários. Este segmento oferece spreads mais atrativos em comparação às debêntures corporativas de mesmo rating, especialmente nos segmentos AAA e AA, que são nosso foco de alocação. Com a melhora significativa nos mercados de juros nominais e reais, além da dinâmica mais favorável no crédito privado, aumentamos a exposição em setores que consideramos resilientes, principalmente grandes bancos nacionais (Caixa, Itaú, BB, Santander).
Posicionamento: Mantivemos postura conservadora quanto ao risco corporativo, com a carteira concentrada em ativos de alta qualidade e exposição mínima a debêntures. Nossa posição em ativos estruturados continua resiliente, com perspectiva de aumento no curto prazo.
Moedas
O câmbio manteve sua volatilidade, influenciado por fatores internos e externos. Externamente, dados econômicos mais fracos nos EUA e a pausa em novas tarifas comerciais desafiaram a narrativa de “excepcionalismo americano”, incentivando investidores a buscar oportunidades de carry trade em mercados emergentes. Por outro lado, as incertezas sobre a condução fiscal e a piora na aprovação do governo têm pressionado o Real. Caso o Real continue se desvalorizando, uma nova rodada de intervenções pelo BC é possível, como já observado em janeiro com leilões de linha para conter a volatilidade cambial. Consideramos essas medidas positivas para estabilizar o mercado.
Posicionamento: Apesar da recente alta do dólar, mantemos nossa posição vendida na moeda até que identifiquemos uma nova tendência clara nos preços.
Renda Variável
Reiteramos nossa visão de que há sinais mais favoráveis para os ativos brasileiros, como valuation atrativo, fatores técnicos e um ambiente político menos negativo do que o precificado pelos investidores. No entanto, o cenário macroeconômico segue cada vez mais desafiador, com inflação elevada e desaceleração do crescimento, o que deve gerar significativa volatilidade ao longo do caminho.
Posicionamento: Mantemos nossa alocação em bolsa brasileira em níveis elevados, posicionando-nos entre os maiores alocadores em relação aos nossos pares, mas, como sempre, bastante atentos para eventuais mudanças de tendência. No mercado internacional, seguimos com posições em ações de tecnologia chinesas, que têm se beneficiado do maior apoio do governo local ao setor, além de exposição ao ouro como proteção. Adicionalmente, mantemos nossa posição vendida em NVIDIA.
Nossos fundos

Para informações completas, consulte os materiais informativos.
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