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  • Nicolas Saad

Reaceleração Desinflacionária?

"Em matéria de política anti-inflacionária, estamos hoje no ingrato intervalo entre a aplicação dos remédios e a cura da moléstia."

Mario Henrique Simonsen [1]

Nesta carta, vamos explorar o tema da inflação global por um ângulo diferente: o efeito da corrente de comércio da China sobre o nível de preços industriais. É um relativo consenso no mercado que um dos fatores que levou ao processo inflacionário durante a pandemia da Covid foi uma retração do processo de globalização – ‘re-shoring’. No entanto, propomos uma possível explicação alternativa – na verdade, oposta: o principal fator inflacionário nesse período foi exatamente o aumento da corrente de comércio chinesa, que, pelo seu tamanho atual, coloca pressões nas cadeias de suprimentos e nos preços de commodities, diferentemente do que ocorria no passado.


Inflação estrutural ou conjuntural?

Apesar da brutal alta das taxas de inflação durante a pandemia, a tendência da inflação e dos juros nos últimos 40 anos era de queda estrutural ao redor do mundo.

Vários fatores contribuíram para esse processo, tais como a integração da própria China e dos países do antigo bloco socialista à economia global, o longo processo de globalização e internacionalização das cadeias produtivas, a evolução tecnológica, o envelhecimento da população em grandes centros consumidores e o contínuo aumento do endividamento global. Alguns desses fatores, como o aumento da integração econômica, naturalmente se exauriram. No entanto, muitos deles continuam atuando estruturalmente, ainda que a alta conjuntural da inflação tenha dominado a dinâmica nos últimos 2 anos.

Por outro lado, como argumentamos na carta de outubro/22, o baixo nível de investimentos na produção de commodities nas últimas décadas implica em um balanço mais apertado entre oferta e demanda. Resta então analisar se essa elevação da inflação pós-Covid é um “novo normal” ou se se trata de um período excepcional em uma longa trajetória de queda da inflação.

Nossa visão é mais alinhada com essa última interpretação: acreditamos que as forças estruturais desinflacionárias permanecem ativas e continuarão sendo importantes, embora, no curto prazo, também enxerguemos alguns gargalos que dificultam esse processo de queda na inflação. No entanto, contraintuitivamente, a dinâmica da reaceleração econômica da China poderá representar um fator desinflacionário importante e que não vem sendo antecipado pelo mercado.

A dinâmica econômica da China A história da pandemia da Covid e suas consequências econômicas foram bastante diferentes na China e no resto do mundo. Apesar de o vírus ter surgido no país asiático, a política de “Covid zero” provocou uma grande divergência entre a trajetória econômica chinesa e a dos outros países. Entre o início da pandemia e a disseminação das vacinas, essa política mais restrita manteve a propagação da doença sob relativo controle e permitiu certo nível de atividade econômica no gigante asiático, enquanto os demais países se deparavam com lockdowns e fechamentos em suas economias. Do ponto de vista das cadeias produtivas, os demais países transferiram sua produção – impedida pelos lockdowns­ – para a economia chinesa, que conseguia manter o vírus sob controle. Isso acarretou um forte aumento da corrente de comércio, sobrecarregando ainda mais as cadeias globais de suprimentos e aumentando a demanda chinesa por matérias primas.


Enquanto a corrente de comércio segurava a atividade na China, os setores de consumo e serviços continuavam sob a intensa pressão e restrições da política de "Covid zero”. Essa situação se estendeu até o ano novo chinês de 2023, quando a política de contenção foi finalmente relaxada de forma significativa. A hipótese que levantamos é que a reabertura chinesa, que ainda está relativamente no início, beneficia os setores ligados ao consumo doméstico, em especial o setor de serviços, o que não adiciona pressão inflacionária nas cadeias globais.

Em outras palavras, seja porque a China hoje representa uma fatia muito maior da economia global do que no passado, seja porque a transferência da produção para o país asiático sobrecarregou as cadeias de suprimento globais, um modelo de crescimento menos baseado em comércio internacional pode ajudar a reverter parcialmente as pressões inflacionárias dos últimos anos.

As commodities dificultando o trabalho dos bancos centrais Como analisamos na carta mencionada, o equilíbrio ainda frágil entre oferta e demanda de commodities vem dificultando o trabalho de desinflação dos bancos centrais globais:

“em períodos de oferta restrita, o impacto [da queda de demanda] tende a ter curta duração, pois, no médio prazo, os custos variáveis de produção impõem um limite para a queda de preços. [...] Em outras palavras, a queda de preços será menor, e o trabalho de redução da demanda tenderá a ser mais custoso para a economia global.”

Apesar do risco de uma desaceleração global mais forte, agora agravado pela crise nos bancos de médio porte nos EUA, os preços das commodities permanecem em patamares relativamente comportados, abaixo dos picos atingidos após a eclosão da guerra na Ucrânia, mas em níveis compatíveis com a rentabilização dos produtores.


Em termos das perspectivas para a economia global, continuamos acreditando que o forte aperto monetário conduzido pelos bancos centrais levará a uma contração relevante da atividade econômica. Embora os dados coincidentes continuem relativamente fortes, alguns indicadores antecedentes relevantes, principalmente do setor de construção nos EUA, já indicam fraqueza à frente – por exemplo, os preços de imóveis mostram retração, em especial no setor comercial. Não é à toa que o stress que emergiu nos bancos de médio porte é ligado também à concessão de crédito imobiliário, em um ambiente em que a elevação da taxa de juros tornou a rentabilidade desses empréstimos baixa, ao mesmo tempo que os preços das garantias se deterioram.

Por esses motivos, continuamos bastante cautelosos com posições em ações globais e acreditamos que investimentos em treasuries já se mostram atrativos no médio prazo, mesmo que o Fed ainda eleve marginalmente a taxa de curto prazo. Finalmente a queda da Selic? Pelo lado local, o Banco Central brasileiro atuou de forma antecipada, a partir de março de 2021, e implementou um forte ajuste na taxa de juros de curto prazo. Assim como nos EUA, no entanto, ainda não se veem os efeitos desse aperto monetário nos dados de atividade de forma muito disseminada. Pelo lado positivo, já se observa um arrefecimento relevante do processo inflacionário, com o IPCA em 12 meses recuando da casa de 12% a.a. para abaixo do teto da meta.

É verdade que uma parte importante desse arrefecimento se deve às oscilações nos preços administrados, não só pela redução de impostos implementada em 2022 e revertida parcialmente em 2023, mas também pela própria queda nos preços da gasolina em Reais desde o pior ponto no início da guerra. No entanto, as últimas divulgações dos índices de preços começaram a apontar para uma disseminação desse processo desinflacionário para outros componentes, com destaque para os preços de bens industriais e serviços.

Dessa forma, neste momento, a taxa de juros real ex-postno Brasil atinge o patamar mais alto dos últimos anos, ao redor de 9,5%a.a. Não fossem as seguidas investidas do governo contra a independência do Banco Central, seria o momento de sinalizar que os juros já se encontram em patamar bastante contracionista, e que se aproxima o momento de iniciar um processo de redução da taxa. A aprovação do novo regime fiscal pelo Congresso será um marco importante para ajudar a autoridade monetária a iniciar esse processo de queda em um ambiente de maior credibilidade.

Como temos falado em nossas últimas cartas, estamos mais otimistas com os ativos de renda fixa local, principalmente por conta da proximidade do ciclo de cortes na taxa Selic. Por mais que o Banco Central possa adiar o início dos cortes por conta das preocupações citadas, acreditamos que haverá grande espaço para redução da taxa de juros no Brasil, principalmente com um ambiente global mais benigno. Dessa forma, entendemos que investimentos em títulos públicos pré-fixados e indexados ao IPCA poderão trazer bons ganhos aos investidores no médio prazo.


Equipe Persevera


Carta Persevera 2023-04
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[1] Antologia da Maldade, Gustavo Franco e Fabio Giambiagi, Jorge Zahar Editor LTDA, Rio de Janeiro, 2015

 

(11) 4780-3794



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